terça-feira, março 31, 2009

Elas.


Elas sentadas no laguinho, na árvore delas, descobrindo Pessoa, correndo atrás das pessoas e recitando, chupando picolé de coco e de amendoim, gritando “não à coca-cola”, riscando na camisa “Abaixo essa sociedade capitalista e dominadora”, trocando bilhetinhos poéticos nas aulas chatas, querendo fundar uma comunidade alternativa, entrando juntas no banheiro e se fingindo de lésbicas, chorando juntas a dor e a poesia do mundo.

Elas na rede gritando músicas, loucas, dançando macumba no quintal, relembrando velhos pagodes, se vestindo de Doces Bárbaros, ligando uma pra outra dizendo uma poesia ou colocando uma música e desligando, passando uma hora ou mais no telefone, conversando até a madrugada, ela botando a rede nas costas e imitando o amigo de classe, a outra choramingando suas paixões efêmeras, ela contando as histórias nos mínimos detalhes e emocionando a outra.

Elas brigando sem fim, dizendo puta que pariu no telefone, ficando de saco cheio uma da outra, discutindo relação na frente de todo mundo. Elas cada uma em uma cabine do banheiro do planetário fazendo as pazes, cada uma em um país conversando pela internet. Elas se chamando de nerd, de xuxu, falando a linguagem do coração, dando abraço forte que só. Elas dormindo com uma roncando e a outra miando pra ela parar de roncar. Uma alta e a outra baixa, uma calma e a outra forte, uma morena escura e a outra “morena clara”, uma dos cabelos cacheados e a outra lisos, uma dos olhos pequenos, a outra grandes. Uma falando de como tudo é espiritual e a outra só escutando ressabiada, uma cantando Los Hermanos e a outra de saco cheio, uma marxista e a outra anarquista. Uma severa e a outra de coração mole. Uma Virginia Woolf, a outra Clarice Lispector, uma yoga, a outra muay thai, uma carnaval, a outra cinema.