segunda-feira, março 19, 2007

Janaína

Janaína hoje, especialmente hoje, acordara com um sorriso singelo nos lábios. Não sabia exatamente o porquê; talvez pelo vento frio que tocava sua pele; talvez por ter conseguido eliminar um pouco do peso que as obrigações deixam nas costas; talvez, pela música, que a fazia ter boas lembranças; talvez pela soma disso tudo; ou até por nada disso... Apenas acordara feliz e ponto. Pensava se era assim mesmo que as coisas aconteciam, ao acaso. Será que era assim, dias em que não suportava ouvir o mínimo barulho, e outros em que era tomada por uma síndrome de tropicália, achava tudo divino e maravilhoso?
Mas o fato é que se levantara, vestira seu vestido florido de pano, leve como ela se sentia, balançando-se com o vento que chegava; e ficara lá na janela, sentido um sol ainda morno, aquele que apenas fazia fechar um pouco os olhos, mas esquentava o rosto, dando um gosto de vida. O cheiro de dia chegava pelo café na cozinha, e o som vinha dos barulhos que sua mãe fazia pra prepará-lo. Ela gostava muito de tudo isso, de ter dormido olhando para aquelas telhas, com buraquinhos, que, quando era manhã deixava entrar a luz. Era aquilo que a fazia feliz.
Mas é certo que nem sempre enxergava tudo aquilo. Quando sua redoma de sentir era invadida por cotidianos, obrigações gritadas ao pé do ouvido. Não queria isso, queria acordar e ir se acostumando aos poucos com o mundo real, primeiro com as coisas boas e leves de que gostava; depois, aí sim é que colocaria novamente o peso nas costas... Por isso, acordava calada, não falava nada para que ninguém sentisse a liberdade de falar-lhe; e, se alguém, antes que ela deixasse claro seu pacto de silêncio, começava a perguntar-lhe, perguntar-lhe, ela não via outra saída senão não responder nada. E assim, todos em sua casa já sabiam. Mas, ainda assim, insistiam em falar-lhe. Ela, que sabia bem que quando as pessoas falam com outras, estão à espera de ouvidos apenas,e não de bocas que lhe atrapalhem; unia o útil ao agradável e ficava calada.