quarta-feira, janeiro 28, 2015

Sobre as bênçãos que os sofrimentos nos trazem

Depois de passada a tempestade interna, voltou, enfim a calmaria. Em um mês, Janaína sentiu que viveu mais coisas do que poderia imaginar. A impermanência veio. Assim como todos os budistas cansavam de lhe alertar. Sim, Janaína, da mesma forma que as coisas surgiram, elas somem. Como num passe de mágica. Até mesmo um amor. Quando aquilo aconteceu, ela não queria acreditar. Achava que estava vivendo um filme de mau gosto. Não, aquilo não podia estar acontecendo com ela. Era a única coisa que conseguia pensar. Mas, sim, estava. A experiência de sonho era aquela anterior, a de achar que as coisas duram pra sempre, a de se acostumar com as coisas como elas são.. A gente do Ocidente sofre bastante disso. Bom seria se aprendessemos desde pequenos que a natureza das coisas é a de morrer. Morrer inesperadamente.

Foi nos olhos azuis fundos de uma amiga espiritual que ela encontrou o ensinamento: "Se você está sofrendo, é porque está apegada. Aproveite esse momento para praticar sobre a impermanência ". E assim ela fez. Tomou sua dor como uma bênção. E de repente, ela começou a ter mais clareza sobre as suas emoções. Cada coisinha que ia sentindo, ela parava, meditava, contemplava. E viu quando sentiu carência. Aquele desejo de ter o outro de volta. E viu quando sentiu ciúme. Mas o difícil mesmo foi quando ela observou a raiva. Saiu de si. E aprendeu bastante. Se viu nos olhos e nas dores de muitas mulheres. E quis odiar todos os homens. Mas parou, contemplou. E sentiu compaixão delas e deles. E desejou que todos eles se libertassem de suas emoções aflitivas. E lhes desejou a felicidade verdadeira. E quando a raiva passou, ela viu como estava cega e violenta. Depois, só sobrou o desejo de que ela também tome refúgio nas verdadeiras causas da felicidade. E ela agradeceu a experiencia de viver uma dor tão profunda e aprender tanto com ela.

sexta-feira, janeiro 10, 2014

Passado tanto tempo, eu, Maria Mercedez venho aqui ver o que ainda tem de mim nesse blog. Acho bonitas algumas coisas, mesmo elas não sendo mais verdadeiras pra mim. Mas pra quê que a gente precisa de uma fidelidade com a realidade, não é mesmo? Afinal de contas, depois que me aproximei do budismo, muitas coisas que fazem a gente fazer arte não fazem mais sentido. A gente faz arte pelo sofrimento, pelo menos no meu caso, é a angústia, a inquietação emocional o que me dá vontade de escrever. Se eu tou bem, se tou tranquila, não escrevo, apenas vivo. Então penso que a literatura pode ser só uma brincadeira com esse sofrer, como diz Pessoa, "fingir tão completamente" até "chegar a pensar que é dor a dor que deveras sentimos". Minha relação com a literatura se transformou nisso, nessa brincadeira com o sentir que a escrita e a leitura provocam. A gente não precisa sofrer de verdade, a gente pode simular um sofrimento. Mas é engraçado esse prazer que a gente tem com o que o budismo chama de sofrimento, que nada mais é do que as emoções. A gente acha que pra ser feliz a gente precisa delas, que felicidade é sinônimo de efusividade. Mas descobri que não, que felicidade é uma sensação de bem estar, que por vezes deixa a gente efusivo, mas não tá condicionada a isso. E que envolve uma clareza de perceber que os momentos tristes também virão, aceitá-los, vivê-los.. Bem importante pra entender tudo isso, foi a meditação. É incrível isso, que simplesmente parar, sentar,faz a gente ir ganhando clareza sobre as coisas. Faz a gente parar de viver num turbilhão que atropela a gente.. Mas voltando ao tema inicial, eu falava, então, faz sentido ainda escrever, pra mim? Penso que isso pode ser importante num processo de autoconhecimento. É legal ir registrando o que a gente tá sentindo em determinados momentos, pensar em como reagimos aquilo e ver depois. E depois de muitos anos, ver como amadurecemos em certos pontos, em outros não ainda.. Acho que é isso por enquanto..

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Numa procura por me achar, percebi que isso nunca poderia acontecer, que eu nunca acharia nada, que não tem o que achar. Li num livro que na verdade a gente parte em busca de um não-eu, algo bastante desesperador pra nós ocidentais, que temos o eu como centro de tudo. E nessa possibilidade de haver um não-eu foi que me perdi, que me assustei, que me desesperei. Mas será possível? Possível acho que seja. Mas, pra mim? O eu fica a todo tempo brigando, querendo ter o controle das coisas, a pensar " a felicidade não é assim, minha cara", "A felicidade é por ali". Aí você acredita nesse eu, vai atrás dessa felicidade e vê que era tudo mentira. Mas quem era mesmo que estava procurando algo? Então era só parar. Era isso? E deixar que o silêncio descortine tudo. Calar o eu quando ele quiser falar. Vazio.

terça-feira, dezembro 04, 2012

Hoje, ali, olhando aquela poesia em forma de bonecos que se moviam com a sutileza de mãos femininas bordando o vento, ela se lembrou de seu amor do passado, do gosto de tristeza que ficou... Ela acha que até poderia construir uma vida com ele, mas ele precisaria acessar elementos em si que ela não sabe quando ele conseguirá, ela não sabia se um dia isso irá acontecer, mas prefere ser otimista e desejar que sim. Parece que ela não iniciou mesmo um novo ciclo amoroso - era assim que ela sentia.. Será que isso teria a ver com o tempo? O tempo que passou junto a ele, que dividiu o cotidiano.. Será que era mesmo isso que mais importava? A memória.. ela sempre ia e voltava em suas ideias e retornava para essa em específico.. a memória.. Mera soma de fixações que não deve levar tão em conta? Ou soma de afetos que produzem quem somos hoje? Será mesmo importante juntar esses cacos do passado? Trazer tudo à tona de novo? Ou estar sempre construindo um novo presente, livre de tudo isso? Ou essas duas coisas também não precisam estar separadas? Então juntar os cacos com liberdade, vendo tudo com ludicidade.. Seria assim? Aí ela se lembra mais uma vez de Manoel de Barros, aquele velho eterno menino, que resolveu inventar suas memórias! Isso sim é lidar de forma livre com aquilo que passou! Será que é assim? Num sei, só sei que acho tão bonito ver ele falar dos insetos e das coisas imprestáveis e da arte da palavra.. Ele sou eu no meu eterno presente. Isso eu sei, sempre serei ele. É só buscar lá dentrinho de mim que acho aquele velho menino. Assim, toda vez que me perco, pego as memórias inventadas dele e me acho de novo. Pelo menos esse amuleto eu tenho.

quarta-feira, setembro 12, 2012

O brilho

Do lado de cá, a tranquilidade da meditação silenciosa. Coração gélido? Não sei, só sei que me protege. E é disso que preciso no momento. Me envolvo, fico vulnerável, me entrego, depois volto a ficar firme. No café você me falava coisas sem sentido, teorias sobre o surgimento da terra e explosões solares. Nada disso eu escutava, conseguia apenas reparar na criança triste que passava com a mãe. Mas que cara poderia ser aquela? Não era cara de tristeza infantil, era algo grave, doloroso. Olhos fundos. Vai ver não era a criança que sentia aquilo, mas eu, me enganando e comendo aquele bolo de banana, afogando no doce a mágoa que você me fez. Você aí, nada afetado por todo aquele turbilhão me deixa ver que de fato não está aqui. Será que algum dia esteve? Prefiro caminhar na praia sozinha, sentir a brisa me tocar, o cheiro de mar me envolver. Esquecer o que não era pra ser. Velejo em mim, procurando ondas mais calmas, encontro poços de águas muito bonitas, dentro pedrinhas brilham, ofuscam meus olhos e sei que não há nada ali. Não, não há nada. O que há é a felicidade de saber que o brilho ainda existe e sempre existirá e que o destino das águas é permanecerem mansas e profundas, assim como está meu coração agora.

terça-feira, julho 03, 2012

Uma dor de ver, dor de saudade, dor de perda
Mas perder o quê, se nunca tive?
Vou amar onde for
Mesmo que não debaixo daquele teto, de dentro daqueles corações
Amo no mundo aberto, debaixo do sol
Canto pros passarinhos que quiserem ouvir
Não sei cantar ainda
Choro de não saber
Mas depois me lembro que tem sempre alguma coisa que a gente pode oferecer
Um carinho transparente em forma de pensamento é o que eu posso dar agora
Então fica sendo
Mas até quando?
Não importa
Vou não sei pra onde do infinito, pra casa que não tem portas nem janelas, pro vazio cheio de luz
Deixo tudo que é de ferida, de marca, de sentimento
Levo só minha vontade
Hoje é o que tenho de mais minha
E fica sendo até não sei quando

quarta-feira, maio 23, 2012

A menina cabocla




Num dia lindo de outono, Maria das Graças acordou e descobriu que estava grávida. Como ela sabia? Ela começou a sentir algo muito profundo dentro dela, não sabia o que era direito, só que era algo muito forte, que penetrava lá dentro, assim como faz o som dos violinos. Ela se levantou de súbito da cama, sacodiu Artur, que dormia ao seu lado: "Artur, Artur, acorda, Roberta nasceu aqui dentro de mim". Fazia um tempo que o casal queria ter mais uma menina pra embelezar a casa. Foi dito e feito. Quando Roberta nasceu,em fevereiro, todo mundo quis ver o bebê na maternidade. Era de espantar o sorriso luminoso que a menina tinha. Ela era morena, dos olhos fortes, iguaizinhos aos da avó cabocla dela. Roberta tinha uma coisa diferente, mas ninguém sabia explicar direito o que era.

A menina foi crescendo.. O passeio que ela mais gostava de fazer era ir pro Sertão, parece que aquela terra laranja era da mesma matéria de sua pele, seca e forte. E assim mesmo era Roberta. Chorar? Chorava nada. Podiam fazer o que quisessem com ela, ela ficava lá, braba toda, incólume. Ela aprendeu com as terras de sua vó, que sustentavam aquele cacto todo o tempo, quando dava uma chuvinha pequenininha, era tudo ficando verde. Foi naquela terra rachada que Roberta aprendeu a viver, economizava o choro, igual que nem o Sertão economizava água. Sua vó até tentava lhe explicar, "Mas, Roberta, Deus num tá economizando não minha filha, o problema é que os vaqueiros num tão cantando direito, eles tem que cantar sete vezes em cima lá da serra "Ôoooe", pra avisar a Deus que ele pode mandar derrubar o aguaçeiro". Roberta fingia que acreditava, mas ela sabia que na verdade o Sertão era igual a ela, num chorava porque era forte!

Mas num era só essa a característica da menina não, o que fazia de Roberta uma menina diferente, e que fez Dona Graça sentir desde que a menininha era semente dentro dela, era na verdade a mistura dessa força com uma bondade muito grande. Desde pequena Roberta num podia ver ninguém precisando de ajuda no meio da rua, sempre dava um jeito de fazer alguma coisa. Um vez tava na praia e viu um menininho negrinho todo triste. Aí Roberta chegou perto e perguntou o que ele tinha. O menino tinha pego o único dinheirinho que tinha e tinha comprado picolé pra vender na praia, mas foi jogar futebol e esqueceu de vender.. resultado, o picolé virou suco.. O que foi que ela fez? "Oxe, mas eu adoro suco de picolé, é meu preferido! Foi lá e comprou tudinho, e ainda bebeu, era morango, misturado com chocolate, com coco, pense num suco bom!". Mas o que Roberta quase morria se visse era bichinho abandonado. Pense que ela ficava triste! O sonho dela era ter uma casa gigante, cheia de bichinho que ela pegasse na rua.

Quando Roberta cresceu, num tinha ninguém mais estudiosa que ela no colégio, "eita menina danada", organizada, então! Ela só num gostava de namorado: "Esses trê lê lê prá cá e pra lá né comigo não!. Eu só vou é casar quando encontrar um homem que preste!". E assim foi.. Um belo dia tava Roberta sentada na frente da biblioteca, lendo pras crianças que tinham por lá, aí aparece um moço, bonito que só Harry Potter, ela olhou assim por detrás daqueles óculos.. Ele olhou assim pros olhos de cabocla dela.. Foi paixão na certa. No outro dia já tavam marcando o casamento. Levaram o cachorro, meia duzia de gato e foram simbora. Felizes estavam , felizes ficaram. Todo dia a família aumentava, era um bichinho que Marcelo trazia pra casa. Dia desses ele trouxe uma família inteira de gato. Tinha visto primeiro o filhinho, ficou com pena do coitado, era orfão. Mas daqui a pouco chega a mãe, tava com a patinha machucada, bichinha. E o pai então!? Tava magrinho, magrinho. Ele já tava pronto pra ir embora, quando vê aparece o resto dos filhotinhos, ele num ia deixar sete orfãos, num é? Aí pronto, teve que levar todos. Foi assim que Marcelo explicou a Roberta quando chegou em casa.

Quando Roberta cresceu e ficou bem grande, ela começou a ficar triste porque a mãe dela, aquela mesma que tinha dado a vida a ela, tinha virado estrela. "Mas Roberta - diz sua vó cabloca - ser estrela é a maior sorte que a pessoa pode ter. Você sabia que a luz que as estrelas tem, servem pra iluminar a gente tudinho aqui na terra? Mas num é iluminar só de luz não, minha filha, é de energia também. Sua mãe quis ser estrela pra ajudar muita gente. Você num fique triste não, que a estrela também tá brilhando em você. Dentro do seu coração minha filha, tem uma estrela tão forte, que você num sabe, mas a gente, da linhagem das cabloca tem essa missão, viu? A gente nasceu foi pra trazer luz pro povo daqui. Então chore, chore tudo que você num chorou nesse tempo todinho,e deixe as terra do nosso sertão bem verdinha, que é pra florir bem muito. Mas depois, minha filha, você tem que voltar com aquele sorriso luminoso que só você tem. Sua mãe tá bem, num se preocupe não. Vá cuidar dos seus bichinhos, vá". Aí Roberta ficou melhor, chorou, chorou, regou as plantas tudinho, e toda noite ela olha pro céu pra matar a saudade da mãe-estrela.

Miaaaau, miaaaaau (diz a família dos gatinhos )

Ôooooe, Ôooooe (fazem os vaqueiros no Sertão)