sexta-feira, abril 24, 2009

As janelinhas de Janaína

Fazia alguns dias que Janaína acordava sempre com um vazio lá dentro, não sabia ao certo o que era, tentava de tudo e nada.

Ela começou mesmo a perceber o que vinha ocorrendo quando voltou a escutar Caetano, se teve uma coisa que mexeu com ela, foi quando o escutou dizer: "Eu sentia a alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele". A forma como ele se remeteu ao amigo emocionou a menina, desse jeito que só as palavras conseguem fazer.

Então, ela percebeu o que era: era de falta de poesia que ela vinha sofrendo... Sua amiga, sua Gil, com quem vivia momentos que eram poesias materializadas, não estava aqui.

Então, finalmente a menina se deu conta que precisava ler urgentemente. Utilizou de todos os meios possíveis, recorreu àqueles que costumava ler antes, juntou todos num lugar só, de forma que conseguisse acompanhá-los.

E assim vem fazendo desde então, e tem sido bom pra ela. Entre uma pausa e outra, vai aqui, ali, nas janelas alheias e lê um pouquinho das pessoas. Ela gosta disso.

Uns a fazem rir de engraçados que são, outros, rir da beleza de certas coisas, outros ela gosta pela ousadia das invenções daqueles que praticam a literatura radicalmente - ou seja, criação em último grau de abstração, outros ainda falam pelo sentir, um sentir diferente do que a menina tá acostumada, e que ela gosta justamente por causa disso.

Com um dos donos dessas janelinhas, a menina inclusive fez um trato “Eu te leio, e tu me lê”, então não podia descumprir, afinal trato é trato! Assim, tinha um motivo a mais pra escrever a sua própria janelinha.

Se sentia até um pouco pressionada por um deles, que falava mal de quem demorava a atualizar sua janelinha!

Mas ela só resolvia mesmo escrever quando tava comendo pão com bem muito queijo (percebendo como queijo é gostoso!!), com os olhos parados, daquele jeito que se olha e não se olha ao mesmo tempo para algum lugar, e pensava: “É, até que eu podia parar e escrever que queijo é tão bom”, aí ia lá e escrevia.

Mas ela tava falando mesmo era da poesia, pois é, mas quando ela fala a palavra poesia, ela quer dizer não só aquele tipo de texto, como também aquela substância fluídica que está presente em algumas coisas – se bem que agora ela pensa: tá presente nas coisas, ou são as pessoas, que a partir da relação que estabelecem com elas, criam essa poesia? E conclui, está sim presente nas coisas, mas pra percebê-las tem que se entrar na sua sintonia.

Era assim que funcionava, se algo tinha uma freqüência “b” e você estivesse na “a”, nada feito, nada de poesia. E pensava agora, será que existem pessoas que tem, definitivamente uma freqüência “b”, e que nunca sentiriam nada que estivesse na “a”? E desistiu de pensar isso, porque tava muito chato esse pensamento, parecia até matemática! Abraão – meu querido e eterno professor da matéria - que me perdoe, mas é chatinho brincar com as letras desse jeito! Prefiro juntar “a” com “b” e com outras letras mais e formar “abraço”, bem melhor! Letras, que juntas despertam uma sensação boa de conforto, de carinho!

Falar de Abraão agora, lembrou-a de sua ida ao Aplicação – sua antiga Hogwarts – foi lá, passou pelos corredores, olhou os professores pelos vidrinhos das portas, estavam lá daquele mesmo jeito, Marcos, cara de desavergonhado, Marta, séria, sisuda. Olhava praquelas crianças, lembrando que um dia tinha sido uma daquelas. Lá, parecia que tinha entrado numa outra atmosfera, esqueceu de tudo que tinha pra fazer, e ficou ali, rindo e olhando o passado.

Janaína não chegou a ficar triste com a visita, com aquele sentimento de saudosismo que às vezes se tem em situações como essa. E ela sabia bem o porquê: já tinha uma nova Hogwarts. E nesse mesmo dia foi lá. A fazia tão bem aquele lugar, lá era poesia respirante – roubando essa expressão de algum lugar que li.

Lembrou, então, de quando ele fez uma cara séria, engrossou a voz, e falou de quando ele não estivesse mais lá. Não tinha forma mais perturbadora do que terminar desta forma. E fomos embora, levando aquele dizer lá dentro, pesado.

domingo, abril 19, 2009

Um balanço

Estive por esses dias olhando meus textos antigos deste mesmo blog e me dei conta de como eles são realmente antigos, já têm dois anos!! E me surpreendi também por perceber como eu mudei meu jeito de escrever (pode ser até que só eu ache que houve uma mudança, que rafael e gustavo continuem a achar piegas, déia, val e altiere ainda gostem, ou pode até ser que mesmo tendo realmente mudado eles todos continuem achando a mesma coisa, ou não - eita parenteses grande da pinóia!).

Foi uma sensação meio estranha, parar e pensar como você era, eu era tão triste e melancólica! Cheguei a duvidar que aquela fosse eu mesma, mas aí lembrei de como escrevia cada um daqueles textos, lembro bem de cada um deles, cada situação.

E gostei muito de alguns deles, então fiquei pensando em como a tristeza e a melancolia são boas ferramentas pra se escrever! A inspiração sempre vinha, quando eu estava nesses momentos, na praia, sozinha, olhando os pescadores e me sentindo vazia, andando pelas ruas desertas de domingo, puxando pela memória coisas que eram boas e que você não tinha mais...

O amor não compartilhado é bem importante pra esses momentos, percebi isso quando me dei conta que quando não estava namorando escrevia bem mais - quer dizer, eu ainda escrevia - e agora que acabei, foi tiro e queda, voltei a escrever, voltei a passar horas no msn etc etc etc. Mas ainda não cheguei na fase melancólica, por isso que esse texto não tá saindo bom!

Será que eu ainda vou voltar a ser daquele jeito, penso agora, será que ainda vou ter inspiração? Porque fico achando que hoje tou bem mais bem resolvida do que naquela época, faço coisas que me preenchem, que me dão energia e vontade de fazê-las pelo resto da minha vida.

Aí tava conversando com um amigo ontem - isso foi uma coisa que eu percebi nos textos antigos também, eu sempre me refiro a amigos e nunca digo quem são - enfim, falava pra ele que os escritores e os artistas em geral num pode sem muito bem resolvidos não, a arte precisa de sofrimento, de paixão, de emoção. Principalmente eu, que num gosto muito de textos que são mais racionais, objetivos..

Ao mesmo tempo comecei a pensar que os textos que escrevi ultimamente têm sido em dedicação de algum amigo (mentira, todos são pra amigas), falo do carinho que sinto por elas, com exceção do último, que fala de algo que vivi, só que essas situações que me dão vontade de contar estão cada vez mais raras – acho que vou começar a freqüentar mercados públicos, andar mais de táxi, ir pra botecos esculhambados, pra ver se encontro com as figuras que Samarone encontra.. Porque se for escrever texto só pras amigas, chega uma hora que elas acabam e aí? Por sinal tou devendo texto pra algumas ainda, mas vão sair, tenho fé!

E fico nessa dualidade, que é uma constante na minha vida ultimamente, estar bem resolvida é bom e tal, mas perco um pouco do meu contato com a literatura; ao mesmo tempo sofrer é ruim, mas me deixa tão viva! Tava pensando nisso em relação à paixão mesmo, isso antes de ver Romance – que por sinal me identifiquei muito – que pra se apaixonar é preciso sofrer! Sim, porque se apaixonar é criar uma pessoa que não existe, criar uma imagem e querer ter ela pra você, só que você sofre porque essa imagem num corresponde à realidade. Aí Rafaz diz: Help, acho que tu é que ta criando uma representação errada da paixão. Será? Eu penso que não.

Num tem saída, se apaixonar é criar, do mesmo jeito que só se cria se apaixonando! Mas também não acho que tenha nada de errado em criar, afinal, a partir do momento que você criou algo aquilo se tornou real, mesmo que só pra você. Só que as pessoas têm mania de achar que o criado é inferior aquilo que consideram o “real”. Pra mim criar é bem real! E o real pode num ser tão determinante quanto parece. (Isso já ta parecendo meu TCC, que por sinal num tou escrevendo pra escrever aqui...)

Me lembrei de uma frase em que pensei hoje enquanto lavava os pratos: “Os artistas ao fazer arte nada mais fazem do que brincar, igualzinho às crianças”. Pensei isso quando estava questionando o papel da arte e cheguei à conclusão, meio a contragosto, que ela não precisa mesmo ter papel.. Porque se eu defendo que as brincadeiras das crianças num devem ter outro motivo senão brincar, como vou querer que os artistas não façam o mesmo?

Enfim, não conclui o texto porque não cheguei mesmo a uma conclusão, literatura +paixão + sofrer ou tranqüilidade – literatura – paixão? Ó céus!! ihihhi

domingo, abril 05, 2009

Na praia.

Acordei lembrando do sonho que tive com duas meninas bem pequenininhas, lá do Coque, uma negrinha espevitada, dos olhos redondos e cabelo cacheadinho com xuquinha; e a outra galeguinha, de um sorriso lindo e bochechinhas salientes.

Elas ficavam subindo nas minhas costas, do mesmo jeito que fazem lá na biblioteca. É só você chegar lá e elas correm pra você te abraçando e dizendo “tia, tia”. Toda vez que me lembro da biblioteca elas duas são a primeira imagem que me vem, elas parecem ter muito carinho pra dar, passam o dia inteiro abraçadas em você se puderem.

Lembro um dia que a galeguinha olhou pra mim e disse: “Tia, se você num me der bombom num vou gostar de você mais não”, quem disse que isso aconteceu? Num dei o bombom (porque não tava na hora do lanche ainda) e ela continuou a me tratar do mesmo jeito nas outras vezes que fui à biblioteca!

É muito bonito perceber como ela tem crescido e aprendido coisas ali, acho que em grande parte com as outras crianças, parece uma criança grande! Esperta que só! Mas bem criança também, na hora de brincar de “estátua”, no olhar encantado pra uma simples cartolina voando! Num pode tocar uma batuque que ela ta lá se sacudindo. Linda, linda, a buchudinha!

Já a negrinha é uma menininha cheia de personalidade. É muito engraçado de ver, como ela tão novinha, tem tanta personalidade! Ela é meio despirocadinha. Lá na biblioteca, quando eu pedia pra os meninos fazerem alguma coisa complicada pra idade deles, eles ficavam pedindo pra eu fazer, dizendo que não sabiam. Mas ela não, ela fazia mesmo assim, mesmo sem saber! Admiro muito essa ousadia que ela parece ter pras coisas.

Então, tudo isso pra dizer que sonhei com as duas. Acordo, olho o sol e me dá uma vontade tão grande de ir pra praia! O dia tava com cara de praia. Ligo pras meninas e elas topam. Cheguei antes de todas, tô andando pelo calçadão de Boa Viagem e vejo, sentado no calçadão, um menino conhecido, ele me olhava também me reconhecendo, quando vi era um dos meninos da biblioteca! Fiquei alegre de vê-lo ali, me aproximei passei a mão na cabeça dele, dei um sorriso e ele “É a tia da biblioteca, olha!” –pra o irmãozinho menor dele.

O maiorzinho, esperto e um menino muito bom, que gosta de desenhar; o outro, lindo, olhinhos mel, redondinhos. Só me lembro dele com um macacãozinho azul que ele tava uma vez lá no Coque, parecia o macacão das “crianças perdidas” de Peter Pan.

Tavam os dois e uma menina galega, da qual eu não conseguia ver o rosto, já que ela tava toda torta, deitada, dormindo, com uma caixa de chiclete nas mãos. Os outros dois não pareciam preocupados em vender nada. Comiam biscoito e contavam umas moedas dizendo: “Eu quero dois moranguinhos e dois cafezinhos”. Aí o menor, dizia “Dá pra quê essas moedas?” O outro, mesmo pequeninho sabia fazer os cálculos, pensava um pouquinho e respondia: “Dois cafezinhos, dois moranguinhos e um big big”.

Na hora perguntei, sem entender nada do que eles tavam falando e espantada: “Vocês gostam de cafe?" Aí eles responderam que tavam falando de bombons!O maior, parecendo um adulto que cuidava do irmão, foi lá e comprou os confeitos e voltou com a mãozinha cheia, dando pro pequeno.

Nessa mesma hora, um homem, que estava sentado num quiosque, e vinha observando perguntou: “Você conhece eles?” Eu sorri como resposta e balancei a cabeça fazendo que sim, meio desconfiada, se ele tava me paquerando ou não. Então, ele comprou um salgado e uma coca pra cada um dos meninos. O maior, disse pro outro: “Ela deve tá com fome”, foi lá e cutucou a irmã, quase enfiando o salgado na boca dela. Foi uma coisa linda de se ver, o irmão, tão pequeninho cuidando da irmã maior. Ela, meio zonza, parecia fraca mesmo, percebeu a situação e foi até o homem, silenciosa, mas daquele jeito que se percebe que ela está pedindo. Parece até um jeito que se aprende com o tempo, que os meninos menores ainda não tinham. Então, ela conseguiu o lanche e foi lá comer junto com os outros.

Os meninos comiam, comiam, já estavam de bucho cheio, aquelas barriguinhas pequenininhas num pareciam caber uma lata inteira de coca-cola! O maior começou a brincar com o refrigerante , e a dizer que o mar é feito de guaraná!!!Só que o guaraná tava salgado, por isso que ele num bebia. Disse também que queria que a areia da praia fosse de guaraná, que se fosse ele ia lamber tudinho! Ele e o outro começaram a viajar na maionese, dizendo que num sei o quê tinha uma cabeça preta, e que na imaginação dele era uma cabeça de banana! Depois, as meninas chegaram e fomos para a areia, nos despedimos dos meninos e eles ficaram lá, esperando a mãe que tava vendendo amendoim.

Quando chegamos na areia quem estava lá?As duas meninas com quem sonhei!!!! Fui lá e dei um abraço bem bom nelas, e um beijo! As duas estavam com coisa na mão pra vender, e perguntavam se a gente queria comprar.

Senti algo tão ruim! Era uma situação tão diferente da que a gente tava acostumado a viver com elas! Na biblioteca, elas só dizem “tia” e abraçam. Ali, elas também fizeram isso, mas logo depois perguntavam se a gente tinha “dez”, se a gente queria comprar...

A galeguinha, apesar de também pedir, parecia mais livre disso, pedia num segundo e em outro estava sorrindo, parecendo ter esquecido mesmo do que pedira, parecia uma frase vazia que ela aprendeu a repetir “Me dá dez,” esticando a mãozinha encurvada.

Já, a negrinha parecia bem diferente ali, naquele ambiente, como se já tivesse introjetado a lógica adulta da responsabilidade. Corria pra lá e pra cá oferecendo seus chicletes, toda sujinha de areia. As pessoas achavam mais graça, do que queriam comprar.

Fiquei tão pensativa nesse dia, tanta coisa aconteceu assim, de repente. Um dia normal de praia tinha se transformado num encontro assim, que balança a gente, que faz pensar na vida, que deixa triste e feliz ao mesmo tempo. Triste pela situação de ver crianças tão pequenas vendendo, pedindo. E feliz pela inocência que criança tem, que é bonito de ver, pela imaginação solta, pela presença forte de vida que criança representa!