terça-feira, abril 17, 2007

Janaína

Sempre que Janaína buscava um refúgio lembrava-se daquela casa grande onde vivera momentos tão felizes em tempos passados. Coisas tão boas que lhe marcaram tanto! O doce de leite emboloado, os passeios pela mata, as cadeirinhas brancas de almofadas de coração vermelho, os cinzeiros bronze de joaninha, as rãs no banheiro úmido, aquele cheiro de madeira, o chão frio, a luz vinda das frestras da janela, as bonecas nas pranchas do quarto, de olhos redondos, o caminhar ao som de estalos de finas madeiras que se encontravam no chão, arranhando-se nas plantas espinhosas... lembrava-se bem do tilintar daqueles sinos nos pescoços dos bois, do falar histérico das cabras, do cheiro de extrume do curral, daquela terra alaranjada..
Era incrível como essas lembranças lhe marcavam, serviam de refúgio. Na verdade, uma esperançazinha de reviver todas essas coisas, mesmo tendo a certeza de que elas nunca voltariam.
Estava tudo destruído, carcomido, tomado pelos excrementos dos morcegos, vazio, sem vida.
Essas recordações, há muito tempo distantes, não lhe doíam tanto, apesar de serem bem profundas. Mas as outras, as recentes, tão boas que pareciam sonhos traziam-lhe sentimentos contraditórios. Por vezes ficava feliz, se percebia rindo, em outras, aquilo lhe perturbava, fazia-a perceber o quão tiste é o momento de agora em comparação àquele. Será, então, melhor nunca passar momentos tão bons? viver numa estabilidade tranquila? Ela sabia que não, pois isso era também desconfortante. Ou melhor, era o motivo maior de suas tristezas... Não havia, então, saída alguma. Apenas esperar pra ver o que acontece... "botar o corpo no mundo", como diria certo amigo ao citar a música..