domingo, abril 25, 2010

Assim como a gata

Todas as noites, quando a mãe lhe dizia "Filha, vá descer com o cachorro", ela fazia muxoxo mas descia. Ela não sabia o porquê da contrariedade se na verdade ela gostava muito de estar lá embaixo com Juca, era o único momento em que vivia realmente o lugar em que morava. Em que aquele lugar não era mais um lugar de passagem para entrada no seu quadrado fechado, no seu teto. Janaína sempre teve essa sensação, a de que o homem constrói quadrados pra se esconder dentro. E esse lugar fechado a sufoca, a impede de estar com o mundo, com o céu, com o ar livre. Parava pra pensar mesmo em como era tudo tão louco, as invenções humanas, se resfria ar, se condensa o ar em pequenos focos pra perceber a existência dele... Ela gostava mesmo era de sentir brisa. Tá certo, tinha uma invenção humana que ela gostava muito, era o vento que o carro consegue deixar tão fortemente bater no nosso rosto, assanhar nosso cabelo. É tão intensa a forma que ele nos toca nessa situação. Fora a forma de se ver a paisagem bem rápido, conseguindo apreciar tudo ao mesmo tempo, tudo que só a vista não alcança. O homem tem muitas invenções bonitas sim, pra num falar das câmeras... de vídeo, de fotografia. E ela ria de pensar essas coisas. Mas tudo pra dizer o quanto gostava de estar lá embaixo, deitada num banquinho frio de cimento, com os pés na grama, sentindo um ventinho, escutando-o balançar as folhas, com os olhos no céu e as mãos na gata, sua fiel companheira desses momentos. Enquanto Juca rebolava o bumbum andando, ou dava pulinhos, de orelha balançante, cheirando aqui e ali, fazendo xixi aqui e ali não percebia que as mãos de Janaína tocavam era a gata. Não se sabe quem acariciava quem, se Janaína à gata, se a gata à Janaína. Ela se roçava na garota com todo o corpo, esmolando carinho, enquanto a menina adorava olhar o céu e sentir aquele pelo macio, ir passando a mão pelas costelas da gata, pelas orelhas, arrodear a cabeça. Janaína se achava parecida com a gata, se pudesse trocar não teria mais um cachorro. Sua personalidade tinha muito mais a semelhança vagarosa e libertária da gata do que a serelepe e dependente de Juca... Olhar o céu era limpar a vista e se aquietar por inteira. Janaína tinha a sensação de não só estar olhando-o, como se faz com uma televisão, mas de adentrá-lo, como aqueles personagens que entram na tela. Era bem isso que sentia. Na verdade era essa a sensação que Janaína sentia com o mundo de forma geral. Ela estava sempre experienciando-o com seus sentidos todos. Por isso que muitas vezes a menina ficava muda, porque não conseguia dizer nada, racionalizar, esse era um momento posterior, antes ela só conseguia entrar e viver, e sentir. Depois é que ela podia realizar a suspensão e refletir sobre o momento. As duas coisas não podiam ser feitas ao mesmo tempo. Por isso ficava muito impressionada com alguns amigos que tinham a capacidade de viver os momentos ao mesmo tempo em que os objetivavam em palavras de maneira articulada e sistemática. O máximo que ela conseguia fazer era balbuciar algumas palavras que expressavam mais sentimentos que pensamentos. E ficava pensando se sempre seria assim, um pouco preocupada, já que isso a impedia de se relacionar às vezes, quer dizer, vamos ser sinceros, muitas vezes, a majoritária parte das vezes. E se encontrar com os outros era muito importante pra ela, por isso o dilema. Ela não conseguia viver sozinha com seu mundo, afinal a beleza de tudo era mais real com as outras pessoas, era uma escolha até política dela. Não, não queria ser só. Mas ao mesmo tempo como fazer se não conseguia ser sociável? O máximo que conseguia socializar era com os amigos que já tinha. E pra entrar mais um que seja no seu círculo de amigos era tão complicado que essa pessoa teria que ter muita paciência, já que ela era lenta com uma gata. Primeiro ela olhava bem, observava, tinha que se sentir segura. Até ela se sentir em casa ao ponto de ser natural era todo um processo. Por isso que tinha poucos amigos, afinal, haja paciência. Muitos que ela conhecia, por não terem a mesma velocidade que ela, achavam que ela não estava aberta e pronto iam se embora. Uma vez lhe disseram que ela parecia um “monólito” ou palavra parecida, que ela entendeu como uma rocha difícil de acessar. Pois era assim mesmo que ela se sentia. Porém, era o extremo oposto quando chegava o ponto de se sentir em casa, aí era sentimental até dizer basta. Adorava falar pros amigos que os amava, porque sentia um carinho tão forte por eles, um afeto. Essa é uma palavra boa, porque lembra calor, um calor que se sente por dentro, o mesmo de deitar numa cama bem quentinha em dia frio, com a cabeça num travesseiro bem fofinho. Era essa mesma sensação que tinha ao olhar os amigos sentia o calor que o afeto dá. Mas as vezes também, aí pode ser que seja o afeto já transformado em paixão, sentia uma pontadinha no peito, que lhe trazia um riso no rosto de felicidade das mais intensas, no sentido literal, porque parecia que via lá do fundinho de seu ser, é como se conseguisse acessar algo bem lá dentro. E essa sensação trazia felicidade. Mas às vezes trazia medo também, acho que o medo vem justamente da sensação de não querer perder aquilo. Então, olhar pro céu acalmava e trazia uma paz que fazia ela esquecer dessas coisas. E de tantas outras que a perturbavam. Eram doses homeopáticas da calma e da serenidade do céu o que ela tomava todos os dias pra conseguir ir vivendo, assim como a gata, que não pensava em nada disso, mas que Janaína sabia que compartilhava do mesmo motivo de estar ali.

terça-feira, abril 13, 2010

Tenho a sensação de estar amarrada, de querer muito agir, com todas as minhas forças, mas existe alguma coisa que me paralisa. Parece que esse mesmo algo me impede de me fundir com o todo, isso, a minha vontade é essa, de me fundir
Na sala, enquanto os outros cospem palavras sem nenhum sentido, palavras secas, mudas, ela não consegue escutá-las. Descobriu que não consegue mais se comunicar dessa maneira, agora só entende aquilo que a faz sentir, aquilo que toca sua pele e que a faz a todo instante ser já ontem. Descobriu que o caminho dos seus ouvidos passa por toda a superfície do seu corpo, pra depois penetrá-la por inteiro. Não ouve mais só com esse orifício, seu corpo todo agora se comunica.