quarta-feira, setembro 10, 2008

Pó de Amanari


Quando Amanari nasceu ela era bochechudinha e risonha. Áurea, a boleira só faltou morrer de tanta felicidade. Seu primeiro filho era uma menina branquinha, de cabelinho preto preto. O pai, Roberto da granja disse logo ao saber que era uma menina: “Essa aí vai ser freira!”.

E Amanari foi crescendo, crescendo até que começou a falar. Áurea não podia passar mais vexame que agora. A menina tinha nascido com a língua solta. Ninguém a segurava de falar a verdade. Chegava uma pessoa e dizia: “Ô Áurea, tá bonito meu vestido novo”? A menina nem esperava a mãe responder. Ia logo dizendo: “A senhora ficou gorda com ele”. Que era verdade era, mas a verdade dói de vez em quando. Um dia fez até o pai perder freguês: “Ô moço, a galinha na venda da esquina tá mais barata” - Desde pequena a menina tinha convivido com a criação de galinhas do pai. Cedinho escutava o galo cantar.

A menina achava muito natural ser como era, afinal nunca tinha sido de outro jeito! Só que quando entrou na escola tomou um susto: ela começou a perceber que as pessoas enganavam umas as outras. Foi uma grande decepção para Amanari a nova descoberta. Conheceu a mentira. Ela ainda não conseguia entender direito como era que isso funcionava. Não conseguia ela mesma mentir. Não sentia na pele o que era isso.

Mas a nova descoberta não tardou a acontecer. Um dia saiu da sala e deixou seu pirulito enorme, todo colorido, que seu Roberto tinha dado a ela. Quando voltou cadê? O canto mais limpo. Ficou chateada, mas depois esqueceu do que tinha acontecido. Mais tarde, quando abriu a bolsa da colega para pegar uma borracha emprestada, tomou um susto! O pirulito estava lá, metade comido! Ainda pensou: “Desgraçada, se fosse pra comer que tivesse comido inteiro, só assim eu num tinha raiva!”. Depois desse dia Amanari percebeu que já não era tão criança, tinha agora sentido a mentira de perto.

A verdade da menina esta atrelada a um outro sentimento, o senso ético. Ela era sempre coerente. Não existia nada que fizesse que alguém pudesse dizer que ela estava contrariando aquilo que ela mesma entendia como justo. Teve até um briga com a mãe um dia por causa disso.

Era seu aniversário e a tia tinha lhe dado um tecido. Ela olhou bem pra aquilo e disse: “A senhora pode ficar com ele. Eu não quero não”. Pra a menina aquilo era muito normal. Se ela não ia usar o tecido não era melhor que ficasse com a tia que iria usá-lo? Ficariam felizes as duas. Mas a mãe e principalmente a tia, achou aquilo uma desfeita! Então dona Áurea foi lá e disse: “ Minha filha, tem certas situações que a gente precisa mentir um pouquinho”. E ela achou aquilo muito feio. Se ela tinha lhe ensinado a não mentir não mentiria nunca!

O divertimento da menina era ir ao jardim cheirar as flores. Mas não as arrancava para sentir melhor o cheiro como muitos fazem e nem deixava que ninguém fizesse isso! Achava muito injusto arrancar as pobrezinhas. Se cada um que chegasse arrancasse uma, outras pessoas iam ficar privadas de sentir o cheiro e a história que cada uma delas guardava. Era verdade. Quando Amanari começava a sentir o cheiro de uma flor, uma historinha ia crescendo na sua cabeça e ia florescendo, florescendo. E ela tinha que contar pra alguém, se não as historinhas num paravam nunca de crescer. Então, quando chegava no colégio, contava pra todos os coleguinhas.

A verdade de Amanari não estava só nas palavras, estava nas ações também. Um dia ela inventou um beijo novo. Chegou para Abraão, seu professor de matemática (que era daqueles professores que é turrão e legal, chato e bonzinho ao mesmo tempo) e não pensou duas vezes, tascou-lhe um na bochecha. Não queria saber se o professor se sentia envergonhado ou não com a situação. Ela não se sentia. Não conseguia se segurar, viu o professor e a vontade foi crescendo tanto que teve que dar o beijo. Outro dia foi com o professor Tarcísio. Ela o viu andando meio triste e chegou dizendo: “Bonita camisa professor”. Arrancou-lhe um sorriso.

Agia de acordo com o que sentia. Não escondia nada de ninguém. Uns ficavam com raiva, diziam que ela era chata porque não conseguia esconder quando não estava bem. Outros percebiam a importância da menina. Em inúmeras situações ela era a única que conseguia falar a verdade.

Hoje em dia, quando as mães fazem seus bebês botam um pouquinho de Pó de Amanari nas receitas pra as crianças ficarem mais verdadeiras.

Celesnah


Era uma vez uma menina lourinha, de cabelos encaracolados e olhos redondos, chamada Celesnah.

Desde muito pequena a menina percebeu que era diferente de seus amiguinhos, quando ela estava muito feliz ficava toda brilhante, saíam raios por todas as partes do seu corpo. Uns brincavam que ela tinha engolido uma estrela cadente, outros que a menina era, na verdade, um vaga-lume disfarçado. E ela, nada sabia do porquê de ser assim. Ela nem mesmo acreditava que tivesse tanta luz!

O pai da menina era um homem a frente de seu tempo. Ele tinha fabricado uma maquina fantástica que fazia cópias de tudo aquilo que ele via! A menina sempre quis mexer nela, mas ele não deixava. Escondia o olhoscópio a sete chaves.

Celesnah tinha herdado a mania do pai de enxergar o mundo com olhos diferentes do comum. Se tinha uma coisa que ela gostava de fazer era olhar pelo buraco da fechadura. Achava bonita aquela forma de ver o mundo com moldura.

Um dia seu avô, que sabia do divertimento da menina, pegou uma fechadura velha que tinha e pou, deu a ela. Afinal de contas a mania já havia criado constrangimentos! Celesnah nunca tinha ficado tão entusiasmada. Agora podia olhar o mundo todo com sua fechadura móvel. E saía palas ruas e parques. Ia até pra escola olhando pelo buraquinho.

Sua mãe era linda. Tinha os cabelos grandes, encaracolados também, e um bonito sorriso. Ela tinha uma estranha profissão: fazia poções mágicas. Tinha sido uma de suas poções que tinha salvado a menina uma vez.

Celesnah estava muito triste porque seu gatinho Truffaut havia morrido. Não queria mais comer, nem falar. Então, sua mãe preparou uma poção chamada “poção do encantamento”. Ela servia pra as pessoas esquecerem as coisas tristes e voltarem a sonhar.

A menina tomou o líquido e foi tiro e queda. De noite teve os sonhos mais lindos de sua vida. Sonhou que Truffaut tinha entrado num mundo encantado e agora andava de botas, tinha um grande bigode e estava muito feliz com sua nova vida. A menina voou de mãos dadas com ele por céus muito azuis, cheinhos de estrelas. Só via os pontinhos vermelhos, verdes (casas e árvores) nos grandes campos lá embaixo. E era tão bom voar! Ela sentia um ventinho correr por seu corpo. Estava leve, leve. Então acordou recuperada e luminosa, já que estava muito feliz.

Sua avó fazia tricô, chalés lindos que a menina adorava usar. Uma de suas brincadeiras preferidas era e vestir de mulher. Pintava a boca de vermelho, colocava os sapatos de sua mãe e o chalé de sua avó. Saía desfilando e seu pai pegava o olhoscópio e reproduzia a menina daquele jeito, toda pousuda.

Mas ser diferente dos outros começou a incomodar Celesnah. Ela perguntava ao pai, à mãe, ninguém lhe dizia o motivo.

Um dia, escutou a conversa de sua mãe com uma amiga. Ouviu a mãe dizer que ela tinha nascido na lua cheia de junho e que as pessoas que nasciam nesse dia absorviam parte da luz do sol que refletiria na lua.

Assim, a luz que emanava de Celesnah era importante para dar energia às outras pessoas.

Depois desse dia a menina não se inquietou mais. Buscava sempre ficar muito feliz, pra que os outros ao seu redor também ficassem.

E essa foi a origem de Xá, menina crescida que hoje (25 de junho) completa mais uma volta em torno do sol.

As travessuras da menina Cícera



Era uma vez uma menina magrinha e danada chamada Cícera. Tudo ela se metia a fazer. Tanto que o povo dizia: Essa menina é um pé de mesa. E Cícera sou, sou um pé-de-mesa!

Era a mãe dela dizer: “Eu queria fazer um docinho e num tem.. quando passar uma pessoa eu vou mandar balançar o pé de caju” Que nem precisava esperar alguém passar pra tirar o caju, Ciça não pensava duas vezes: “Tanto caju, num caiu um ainda.. Eu vou subir no pé!”

Era cada caju roxo e doce! Cícera subiu e balançou pa-pa-pa-pa-pá. E a mãe dela ouvindo o barulho: “Um vento desses Maria José – que era a irmã de Ciça – Pega uma bacia, vai apanhar caju minha filha!” E Ciça lá em cima no pé: “Ai, eu vou apanhar, vou apanhar mesmo!”.

De lá mesmo Maria José gritou: “Mãaae, num foi o vento não! É Ciça que ta no pé caju!” e a mãe lá de dentro: “Ai meu Deus! Ela vai apanhar! Eu num mandei ela subir aí pra num cair!

Tinha um bocado de caju no chão, dava uma bacia meinha! Maria José apanhou tudinho. (Ciça): “Pega a bacia de caju sua nega, que é pra mãe fazer o doce. Você me paga!”Ciça, com medo, ia simbora pro beco. E a mãe dela: “Cadê Ciça?”(irmão): “Ciça ta ali no beco sentada.” (mãe): “Apois, chame ela pra dentro, pra lanchar. Eu vou dar uma bolachinha a ela”. E Ciça aliviada. Essa tinha sido por pouco!

Ciça parecia uma macaquinha, subia em pé de caju, pé de coco, tudo ela sabia! Ela morava com os pais e irmãos em Aliança, uma cidade do interior. A mãe dela criava tudo que era bicho, vaca carneiro, pato, galinha, peru! Ela chupava manga, jaca, cana, tudo tinha!

Outro dia a mãe de Ciça: “Eu tô doida pra comer jaca” e o que é que Ciça fez? “Eu vou subir no pé de jaca. E tu bota o olho em Maria José”, falou pra o irmão, companheiro de suas travessuras e mocotó..subiu no pé de jaca ton ton ton ton..

Aí disse assim: “Essa jaca tá madura, eu num vou tirar essa não. Tem duas lá em cima olha, pia praí! E Cícera pensou “Eu vou tirar as de lá de cima, as maiores que tem, as duas bichonas!”Ela subiu no pé de jaca e a galha da jaca se quebrou! pa-pa Ciça se abraçou com a jaca assim.. e o galho –u-u-u-u bou! Ela caiu em cima da jaca! Tinha caído a jaca maior do mundo!

O irmão de Ciça correu pra pegar água pra eles tomarem, trouxe um tonel de água e Ciça em cima da jaca. Ela tomou a água e só escutou Maria José dizer: “Mãaae foi Ciça!” Nessa hora Ciça pensou “Tô perdida”.

Dona Belarmina, mãe da menina falou logo aflita: “Ela caiu de cima pra baixo. Ela morreu..” e Maria José: “Morreu não mãe, tá aqui!”. Ciça pensou : “E agora?”, ainda deitada em cima da jaca. Mas não teve dúvida, disse logo provocando a irmã: “Pega a jaca e leva pra mãe comer e venha buscar a outra viu? Ela num queria comer jaca? Tem jaca!”

Maria José, que conhecia bem o gênio de Cícera colocou a jaca enorme na cabeça e levou pra mãe. E a mãe dela: “Cadê Ciça Maria José? E a menina respondeu: “Ela ta lá no pé de jaca”. (mãe): “Ela num subiu nadinha não?” (irmã) “Sei não mainha, sei não, sei não, sei não”.

Maria José foi lá pegar a outra jaca, como Ciça tinha mandado e a mãe surpresa: “Foram duas jaca?” (Maria José) “Foi.. duas jacas mainha! Tinha uma galha de jaca fina, ela foi subir e a galha se quebrou”. Enquanto isso Ciça lá fora: “ Eu é que num entro dentro de casa!”.

Dona Belarmina abriu as jacas. Cada jaca boa! Nesse tempo era cada jaca boa! E Ciça com vontade de comer.. Resolveu esperar o pai “Ela vai ter que me dar”. Daqui a pouco lá vinha o pai com a enxada. (Ciça): “Ô pai, eu caí com uma jaca, duas jacas em cima de mim!” (pai) “Minha filha, num fale isso não! A sua vida é doce quando morrer acabou-se!”. Aí a menina se justificou: “Não pai, mainha disse que queria comer jaca aí eu subi no pé.” E o pai dela em tom de briga: “Belarmina quer comer caju e tu sobe no pé, se ela quer comer jaca tu vai subir também é? E ela te matou a pau? (Cícera): “O senhor num deixa ela dar em mim não?” (pai): “Não, deixo não”.

Entrou em casa, as jacas estavam lá, uma aberta e a outra inteira. Então, o marido falou, com seu jeito manso de sempre: “Ta comendo jaca né veia?”. Belarmina respondeu enraivecida: “Tou, tu num sabe de nada! Olhe, essa tua filha! Essa menina é o pé de mesa! Num diz e num assopra, num diz e num assopra!” E o marido, sem nenhum sinal de raiva: “Tu comesse jaca? Tudinho comeu jaca? Encheu a barriga, matou a vontade de jaca?” (mulher): Foi. (marido): “Tu vai dar na menina?” (mulher): “Eu ia dar uma lapada nela de peça de corda!” Então o marido já ficando enraivecido falou: “Num dê nela não, ela bota a fruta dentro de casa, tudinho dentro de casa e vocês comem! E continua, agora voltando a sua calma normal: “A sina dela é essa mesmo. Deus num deu a sina dela? Deixa ela subir no pé de jaca, deixa ela cair”.

Só nessa hora é que Cícera entrou em casa, ainda com medo. Aí a mãe falou contrariada: “Venha pra dentro que eu num vou dar em você não!” E Cícera desconfiada: A senhora num vai dar mesmo não? (mãe): “Não, não, vou dar não”. E o pai continuou : “Venha,entre , senta aí e coma jaca”. Ciça pegou um taco de jaca, comeu, e ao mesmo tempo que comia olhava de banda para a mãe com medo.

E a história num parou por aí não. Cícera não queria nem saber se ia apanhar se não ia, continuava subindo nas árvores pra pegar frutas. Da primeira tinha escapado, da segunda o pai estava lá pra defender. E agora, será que Ciça vai apanhar ou não?

Ouviu a mãe dizer que queria peixe de coco. Disse logo ao irmão: “Vou subir no pé de coco!” (irmão): “Suba não Ciça, tu vai apanhar!” Mas dessa vez ela tinha tido uma idéia: “Eu entro no mato e num apanho! Só chego em casa quando meu pai chegar!”.

Subiu no pé (pa-pa-pa-pa-pá) até o olho do pé de coco. Tirou os cocos e eles tudo caindo (pa-pa-pa-pa-pa-pá). Era perto da casa dela. A mãe da menina, sem perceber que mais uma vez a danada tinha subido no pé disse assim: “Oxe, o vento ta botando coco a baixo! É até bom, vou fazer peixe de coco amanhã”. E gritou: “Maria Joséeee, vá Maria José apanhar o coco!

A irmã da menina chegou e Ciça: “Se esconde, se esconde”, falou pra o irmão. “Vamos se esconder detrás do mato!” E Maria José ainda sem ver os dois: “Oxe, o coco caiu todinho!” Ciça tinha pego uma folha de coco e estava lá embaixo, mas não adiantou, a irmã olhou pra cima e viu o pé da menina: “É tu que ta no pé de coco!”. Ciça braba como sempre disse: “Se você disser a minha mãe eu pego um coco e mato tu com ele na cabeça! A irmã disse pra Ciça: “Não eu num vou dizer.. eu num vou dizer não!” Mas chegou em casa com a língua coçando e disse pra mãe: “Mainha, tem muito coco no chão, tudo maduro. Sabe quem tirou? A senhora num sabe quem ta no pé de coco! A mãe, que a essa altura já estava desconfiada: “É Ciça! Eita que menina da moléstia, essa menina”.

Na casa de Cícera todo mundo tinha que trabalhar, como dizia a mãe dela “Pra botar comida dentro de casa”. Ciça limpava mato, lavava roupa, pescava, mas o que não gostava mesmo de fazer era cortar palha de cana, dizia manhosa pro pai: “Tou cansada pai, eu tou toda cortada.. esse sol quente!” O pai sentindo dó mandava as meninas todas pra casa: “Pronto, essa semana nenhuma vai. A ordem é minha! Num vai nenhuma. Antônio mais José vão, os dois rapazinhos. As três meninas num vão não”.

Mas não era sempre que Cícera conseguia fugir do trabalho, com raiva da mãe um dia se vingou. No sábado todos iam pra feira vender potes de barro. Quando eles estavam subindo a ladeira com os potes Cícera (pei) jogou o pote no chão. O irmão dela, já sabendo da armação, mentiu pra mãe: “Ô mainha, Ciça caiu, levou um baque, quebrou o pote”. dona Belarmina, que sabia a filha que tinha disse: “É mentira dela, ela quebrou por que quis! Vamo simbora apanhar!”. E o pai de Ciça, sempre defendendo a menina: “Por que tu dá nessa menina Belarmina? Num dê nessa menina não Belarmina!”. E a mãe com raiva: “Essa menina tem o couro no osso, ela é ruim demais!”

Uma vez Cícera apanhou por que estava brigando com a irmã e ela foi reclamar pra mãe. A menina, que nunca tinha se dado bem com Maria José armou mais uma das suas. À noite, ela pegou o candeeiro, colocou embaixo da rede. A irmã estava rón rón rón. Cícera abriu as pernas e to-lo-lo-lo-lo-lo-ló na boca dela. Fez xixi na boca da irmã! Então, Ciça se emborcou dentro da rede, pra se esconder dos pais. A mãe dela fez assim dentro de rede vuuufo: “Ela ta acordada” e o pai respondeu: “O quê? Essa menina dormindo, ta roncando!” Cícera feliz, depois contou pro irmão: “Eu mijei na boca dela, mijei na boca dela! Ela estava tão contente, tão contente!

Ciça sempre foi corajosa, tão corajosa, tão corajosa que acredite quem quiser, mas um dia ela lutou até com uma cobra! Ela tava cortando as palhas de cana quando achou uma, era dessas cobras ruim, essas cobras brabas. Ciça pegou a enxada e pan-pan-pan-pan, começou a bater na cobra e a cobra com medo de Ciça. Ela dava cada bote! (susurrando) Ela fazia assim com o rabo pra enlaçar a menina. Ciça meteu a enxada na cabeça da cobra, daqui a pouco ela nem barriga tinha mais. Ela pegou a enxada e deu o golpe final, a cobra morreu.

Então, Ciça pegou um cipó e deu um laço que passava pela cabeça, pelo gogó da cobra, e depois pela cabeça de novo. Foi quando ela escutou o irmão lhe chamar: Ciçaaa, Ciçaaa. (Ciça): Oi, tou na sombra! Peraí, vem cá, me acode aqui!

Como quem mata a cobra tem que mostrar o pau, Ciça pegou a cobra amarrada e colocou numa vara. Ela era dessa grossura! Ela podia até ter matado, engolido Ciça de tão grande!

Então, Ciça levou a cobra pra casa e mostrou a todo mundo, tudinho ficou com a boca aberta: “Que menina! Mas dona Belarmina, a senhora num tem uma menina não viu? A menina tem fé mesmo, a menina tem coração pra engolir um viu?” Foi quando Dona Belarmina se deu conta do perigo da situação: “Quem matou essa cobra?” (irmão): “Quem foi mainha, num foi Ciça?” (mãe): “Virgi Nossa Senhora da Conceição, que menina! Deus mandou essa menina pra terra pra atentar, pra lutar”. E Ciça respondeu: “Pra lutar mesmo! E a senhora num vai dar em mim não viu? A cobra ia me engolir, eu engoli a cobra!”

A cidade toda tinha ido lá ver o feito de Ciça. E cada um que passava falava assobrado: “Mas dona Belarmina, a senhora num tem uma menina não viu? Que menina! Ela tem muito gênio viu!? Matar uma cobra dessa dentro da cana!? E Dona Belarmina perguntou ao marido: “Homi, o que é que vai fazer com essa cobra?” (marido): “Enterrar ela e matar a espinha”. Então o pai de Ciça enterrou a cobra. Depois desse dia Ciça disse que nunca mais ia pra palha de cana. A mãe deixou, mas disse que no lugar ela fosse apanhar café. Ciça preferiu. Depois desse dia ela pegava duas cabaças, colocava uma lá outra cá e ia apanhar café.

Se vocês pensam que as traquinagem de Cícera acabaram vocês tão muito enganados! Um dia ela tava com vontade de comer peru só que a mãe disse que ia matar a galinha. Mas a vontade era tanta que a menina teve uma idéia: pegou um pedaço de pau e pou pou no peru e o peru troooon tu-lu-lu-lu-lu e ela pa-pa-pa-pa-pa-pa-pa.

O irmão dela, como todas as vezes estava dentro do plano, aproveitou que o galo era brabo e chegou pra mãe: “Eita mãe, o galo deu uma pisa no peru. O peru: Tun aí o galo: taaa. Matou o peru”. E a mãe desconfiada: “Cadê Ciça?” (irmão): “Ciça num ta aqui não mainha”. Ciça que num era besta tava era escondida.

Dessa vez Dona Belarmina tinha acreditado mesmo na história, resolveu dar um fim no galo e criar outro. Ciça só faltava estourar de felicidade, disse pro irmão: “A gente vai comer o galo também!” A mãe voltou a perguntar pela menina: “Ciça ta aqui?” (irmão): “Não, ela foi lá embaixo”. (mãe): “Ciiiça”. (Ciça): “Oii”. (mãe): “Olha, vem pra casa”. Dona Belarmina, então, botou água no fogo, sangrou o peru. Era uma lapa de peru! E Ciça comeu o peru. A mãe num queria matar ele não pra vender. Mas bem que Ciça tinha dito: “Ela vai comer o peru!”

Até aí está tudo bem com as histórias de Cícera, ela contava uma mentirinha e conseguia o que queria, podia até ser que apanhasse um pouquinho depois, mas ela continuava fazendo as travessuras mesmo assim. Mas um dia, como acontece com todo mundo que conta muita história, quando Cícera foi falar a verdade, ninguém acreditou nela, o feitiço tinha se virado contra o feiticeiro.

Ela tinha ido no mato pra pegar lenha e uma espinha de cobra tinha entrado no pé dela, ela mostrou pra mãe, a mãe olhou assim, e não achou a espinha e falou: “É manha dela!” E ordenou: “Tu, Maria José, Maria das Dores vão no rio pegar peixe pra o almoço de amanhã!” Ciça, com o pé doendo muito pensou: “Me ajuda papai do céu! Meu pé ta doendo!”

Lá no rio Maria José num tinha tido a menor pena de Cícera, dizia secamente: “Bota o gererê aqui pra pegar o peixe!” E Ciça pensava: “Eita Jesus, se eu num pegar o peixe eu vou apanhar! Me ajuda Jesus..a pegar um peixinho, um peixinho Jesus!” Quando Maria José buliu na beira do rio Ciça pegou um peixe desse tamanho! Gritou logo: “Me acode Maria José, me acode, um peixão, um peixão!”. Maria José correu pegou o peixe, saiu de dentro da água pro peixe num cair dentro da água, matou o peixe, e botou numa cesta.

Ciça começou a sentir o pé: “Aí Maria José, meu pé, meu pé!” (Maria José): “Quer ir pra casa?” (Ciça): “Eu vou pra casa, eu vou pra casa”. Já estava dando febre na pobre da menina. Chegaram em casa já era noite, Ciça num podia nem botar o pé no chão de tanta dor. Dona Belarmina botou o pé dela na água, veio uma facada no coração dela e ela gritou: “Ai que dor! Jesus me ajuda! Eu vou morrer! Eu vou morrer meu Jesus!”. E Dona Belarmina apavorada: “Amanhã de manhã vou levar essa menina pro hospital”. O pé de Ciça já estava ficando roxo, todo roxo, a espinha de cobra tava lá dentro!

No outro dia, bem cedinho, os pais de Ciça levaram ela no médico, o doutor de seis horas da manhã chegou, assustado disse: “Virgem minha Nossa Senhora, o pé da menina ta todo roxo! Vou dar uma injeção nela.” Ele deu a injeção e a dor não parou. Aí ele deu um talho e saiu um bocado de pus. Ele coou o pus, com uma peneirinha, pra saber o que é que tinha dentro. Aí ele tirou a espinha, ela era da cor de coco, bem branquinha.

Depois, o pai de Ciça mais a mãe chegaram: “E aí doutor?” (médico): “Espinha de cobra!” No outro dia de manhã Cícera já estava melhor, acordou cedinho, tirou leite de vaca, tomou. (mãe): “Ta melhor ta minha filha?” (Cícera): “Tô mãe”. Se Cícera não tivesse tirado o espinho ele tinha subido, subido pelo corpo todo e se chegasse no coração a menina morria!

Mas por que será que Cícera era tão pimentinha? Deveria ter algum motivo! Sabe por quê? Por que ela nasceu no dia da fogueira!!!

A fogueira tava feita, a mesa tava a coisa mais linda do mundo, Dona Belarmina tinha feito de tudo: pamonha, canjica, tapioca, pé-de-moleque, tinha até matado um peru pra comer no outro dia no almoço. Nesse tempo o fogão era à lenha, onde se faziam os bolos, galinha. Dona Belarmina fazia cada bolo de manteiga! Todo ano era assim, ela enchia a mesa, a mesa ficava cheinha, cheinha!

Mas esse ano era diferente, esse ano a mulher estava com um barrigão. (Belarmina): “Essa criança ta preguiçando dentro da minha barriga, ela num quer nascer não!” Foi só Belarmina dizer isso e começou a sentir uma dor: “Aí que dor na minha barriga, uma dor no meu pé da barriga! Eu vou descansar é? Essa nega vai nascer, ou é um nega ou um nego!” No fundo o marido dela queria um menino, mas disse pra mulher: “Do jeito que vier ta bom num ta veia?” (mulher): “Ta bom.”

Então deu um dorzinha e Donda Belarmina resolveu ir tomar banho. Aí ela disse assim: “Olha, bota a comida todinha em cima da mesa e o peru tu corta, bota pra ferver pra torrar amanhã”. (marido): “Ta certo”. Ela ainda disse: “Eu num vou nem tomar café, num to com vontade de comer nada. Nem pamonha nem nada”. E falou pro marido: “Olha, tu vai chamar a parteira? Eu vou descansar meu velho”. (marido): “Tu vai descansar é?”

Eles moravam aqui e a parteira na banda de lá. O pai de Ciça deu uma carreira, mas quando chegou ela já tava na beira mesa Qué- qué-qué. Todo feliz, o velho acendeu a fogueira, soltou bem muitos fogos. E o povo falou: “Eita Belarmina descansou, ela descansou Meu Deus, no dia da fogueira!”

Cícera tinha nascido no dia do fogo! Foi tanta gente pra comer e beber: “Foi homem?” E o pai de Ciça: “Foi mulher, o nome dela é Cícera”. Tinha sido uma promessa. Todo menino dele morria, então ele fez uma promessa se fosse homem era Cícero, se fosse mulher era Cícera. (pai): “A minha Cícera nasceu, foi mulher”.

A parteira limpou a criança, cortou o imbigo, deu banho, deixou na beira da cama. Botou outra roupa, deixou ela toda bonitinha em cima da cama. Então a irmã de Ciça disse pra mãe: Quer tomar café? (mãe): “Quero uma pamonha somente e uma xícara de café”. Aí ela comeu a pamonha, tomou a xícara de café. E a menininha lá, magrinha, xoxinha. Foi tanta gente ver ela! E todo mundo que chegava dizia: “Eita, a menina nasceu no dia da fogueira! A menina vai ficar uma pimenta!” Foi dito e feito!

Fim.

Mamãe Coragem

Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo
eu fui embora

E lá se ia a menina magra, de cabelos curtos lisos e pretos, andando pela terra seca, indo buscar seu futuro na cidade. Ela, que nascera ali, onde vivera momentos tristes, outros nem tanto, agora ia pra nunca mais voltar.
Hoje se lembra do que viveu, marcas que permanecem na memória e nos traços de sua face.
Recorda um tanto risonha a história de seu primeiro namorado. Tinha sido um vendedor de picolé! Certo dia, quando ouviu uma de suas irmãs mais velhas dizer que tinha arranjado um namorado não quis ficar para trás, foi lá e namorou o vendedor. Tinha sido namoro besta, de pegar na mão e conversar. No outro do dia não quis nem ver o menino.
E foi sempre assim com essa mesma irmã. Ela lembra de feliz que ficou no dia em que seu pai lhe comprou uma sombrinha de um mascate. Ela tinha uma bonequinha na ponta! A da sua irmã não, era listrada apenas. O pai disse a sua irmã: Você já é uma moça. A da boneca é pra Hercília. Nesse dia o riso não conseguia sair do rosto da menina.
Esse é um dos poucos momentos que ela lembra ao lado do pai. Ele era um homem sério, austero. Não se dava muito a brincadeiras. Andava sempre de camisa e calça de linho. Impecável. Mantinha uma certa distancia dos filhos. Nem chegava a almoçar com eles. Escutava sempre o rádio. Certa vez, Hercília o surpreendeu chorando ao escutar uma notícia. Ele apenas franziu a testa e a lagrima escorreu.
Outro dia que ela não esquece foi uma das poucas vezes que o pai lhe falou: - Você sabe que tem o nome igual ao seu? A mulher do presidente. Era a esposa de Médici.
O velho Pereira era político. Influente na cidade. Tinha um motor de energia que iluminava as casas. Tinha sido ele que havia construído o único poço de Jabitacá. Quando alguém, por motivo político, ou não - não se sabe - fechou o poço, o velho quebrantou. Teve um infarto.
Em sua casa funcionava uma farmácia, uma mercearia e uma padaria. Hercília lembra daquelas vitrinas com coisas bonitas que dava gosto. Enxovais de linhos bordados, brincos, perfumes franceses. Na padaria havia quatro prateleiras. Uma do pão francês, outra do doce, outra da bolacha salgada outra da doce. A menina lembra a fartura que tinha na casa, sempre cheia de gente e de comida. Ainda hoje sente o cheiro das bolachas assando no forno. Mas banho que é bom, só tinha uma vez por semana, que era Sertão.
Pereira começou a trabalhar com 12 anos, quando seu pai morreu. Começou como agricultor, depois foi pedreiro, e acabou assim; dono do seu próprio comércio. Sua esposa, Gisa, era professora. Ensinava ali mesmo na casa, inclusive aos próprios filhos.
Hercília tinha 14 anos quando o pai morreu. Depois disso, tudo ali, na cidadezinha de Jabitacá, Sertão do Pajeú, se acabou. Acabou-se a mercearia, a farmácia, a padaria. Depois da morte do marido, Gisa ainda tentou manter as coisas, fez sociedade com o genro. Mas não teve jeito. O tempo passou e o dinheiro que a mãe ganhava ensinando não dava mais pra seu sustento e o da filha. Foi quando ela, já moça, foi embora.

Mamãe, mamãe não chore
Eu nunca mais vou voltar por aí
Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo...
Mamãe, mamãe não chore
Pegue uns panos pra lavar, leia um romance
Veja as contas do mercado, pague as prestações
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos
Seja feliz, seja feliz

Criar cabras e poesias


Olavio mora na casa do estudante, no campus da UFPE. Há pouco tempo, já que antes morava na do Derby. Ele conta a diferença entre elas. A primeira era de gente do Sertão, como ele, que veio de São José do Egito; a que está agora é de quem vem da Zona da Mata e Agreste. Ele diz que tem diferença sim entre as duas origens. O povo do Sertão é mais companheiro, mais generoso. Os outros, mais perto da cidade grande, já parecem ter se modernizado mais, tem mais gente que gosta de “aparecer”.

Veio em 2004 pra Recife para prestar vestibular. Agora não tange mais sua cabrinha, como fazia em São José. Conta o rapaz que em interior parece que as pessoas gostam mais de olhar o tempo. “É comum você vê o cabra sentado na pedra, matutando, olhando as cabras pastar, como ele mesmo fazia. Aqui, diz ele, pra você ver alguém dando bom dia na Conde da Boa Vista é um milagre.

Filho de um serralheiro e uma professora, o rapaz além de estudante é poeta. Fica encabulado de mostrar suas poesias, mas conta um pouco do que fala nelas: da chuva, diz ele, que parece lágrimas que molham a terra ressequida, de feridas.

E voltou pra São Pedro...



Ela fala, sem conseguir não mexer os braços, não se empolgar, não deixar transparecer todo o amor que sente pelos filhos.

Ela é Helena, tem três filhos e é casada com um homem brincalhão que teima em chamar de Pacheco. Veio de São Pedro do Cordeiro, médio Sertão. Já morou em Garanhuns, foi até São Paulo e aportou aqui em Recife, de onde não pretende sair.

Eram onze irmãos. Todos moravam na casinha, vez por outra sem água, sustentada pela velha Maria Luiza. Ela trabalhava na roça, no sítio da família. Helena diz que não gostava quando ia pra lida com a mãe e ela lhe colocava num cesto, chamado caçoá, que ficava pendurado no jumento. “Não via nada e era um balançar danado!”

O pai de Helena morreu quando ela tinha 9 meses. Só sobrou Maria, parteira e agora dona de venda para cuidar das crianças. Mulher forte, querida por todos, como diz Helena entusiasticamente, contando da mãe. Diz ela, “Quando ela morreu a casa encheu de gente”.

E Helena herdou o espírito maternal de dona Maria Luiza. Em tudo que fala, sempre dá um jeito de colocar os filhos no meio da história. É assim que conta sobre seu filho mais velho, Digo. Ele nunca se acostumou com a cidade grande. Quando Helena se mudou pra São Paulo, diz que o filho só esperou terminar o ensino médio para começar a trabalhar e poder voltar pra São Pedro, pra junto da família. Apesar de nunca ter morado lá, já que nascera mesmo era em Garanhuns; Digo arrumou as malas e foi se embora.

Tinha 20 anos apenas. Desesperada Helena consegue voltar pra Pernambuco, por o que ela garante ser “obra de Deus”, se instalando em Recife. Traz o filho de volta para junto de si, ele presta vestibular, passa. Mas quando está pelo terceiro ou quarto período o que faz? Volta pra São Pedro.

Chega até a montar uma vendinha lá, sem sucesso. A pequena cidade já estava abarrotada delas. Mesmo sem amparo financeiro ele fica. Ela não sabe por quê. Nem ela mesma tinha tal apego pelo lugar. Ela acha que é do espírito sertanejo do menino, de querer estar perto da família.

Foi só até ele arranjar uma noiva, parente distante como é de costume em interior. Agora ele se preocupa com a moça, quer dá-lhe boa vida. Volta então pra Recife, presta concursos, passa em um deles e, antes que o resultado saia o que faz? Volta pra São Pedro.

Depois de muita espera recebe a novidade, é chamado para o emprego, mas em Caruaru. “Ah, mas Caruaru é grande demais”, deve ter pensado o rapaz. Fica, então, feliz quando encontra um moço que iria trabalhar em Sertânia. Troca com ele e agora está lá, ainda no Sertão.

O coração de Helena parece dividido entre cá e lá. Parece ser o mesmo sentimento que ela nutre por Recife e os lugares afastados, quer estar em ambos os locais. Diz que vai até visitar os interiores, mas sua casa em Recife permanece aqui, pra quando quiser voltar.

No fim diz Helena, tchau, obrigada pela visita, com um sorriso e jeito acolhedor que faz mesmo a gente se sentir de casa. E vamos, com um resto de riso no canto da boca e o coração remexido de sentir a vida assim tão de perto.

O velho


O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Dessa vida..

Estava ali o senhor, na sua cabine pequena do mercado São José, cheia de miudezas empoeiradas, que traziam escrito “Recife – Pe”.

Será mesmo que ele possuía compradores? Sua banca ficava perdida no meio de outras grandes repletas de coisas. Havia vendedor que possuía até mais de uma. Enquanto ele, ali há 40 anos, parecia permanecer do mesmo jeito desde a morte de sua esposa. Na parede havia um quadrinho pequeno com o retrato dela, estava sempre ao lado de seu João Pedro.

Ele não parecia estranhar a presença de duas compradoras que faziam-lhe apenas perguntas; primeiro sobre seus produtos, depois, sobre sua vida. Tímido, sério, sem olhar-nos no rosto, o velhinho ia aos poucos falando.

Sim, tinha filhos, uns em São Paulo, outros aqui. Morava com um deles e o neto em Casa Amarela. Não demonstrava um sinal de riso no rosto.
- Eu já tou aposentado, mas gosto de vir pra cá, pra ter um destino todo dia de manhã quando acordo. Disse o velhinho.

Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi Passagem

Veio de São Bento do Uma e não tinha saudades de lá não. Padeceu sim ao chegar aqui, mas tinha se acostumado a essa vida. Lá? Tomava água de quartinha – daqueles potes grandes de barro. Ainda aqui tem um.

Pode. Pode tirar foto sim. E ficava lá o velho João, pousando feito matuto, sério e estatalado. Pegou uma vassoura, meio sem jeito, pra disfarçar a pose, e depois voltou a ela. Parecia aquelas fotos antigas de general sisudo.

O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar..