terça-feira, setembro 25, 2007

Ela tava tão muda ultimamente... foi por isso que passei tanto tempo sem escrever aqui.. e minha única leitora assídua reclamou! aqui estou eu então.. vendo se janaína fala pelo menos um pouquinho pra eu contar ...
Ela se sentia mais leve, mais inteira. E essa inteireza ela achava que vinha de uma sensação de tranquilidade. Parecia que finalmente Janaína tinha tomado um decisão! Ela, que era acostumada a se acostumar com as situações (já que com o tempo tudo ia se ajeitando, prova do seu otimismo irremediável), agora tinha parado e pensado e decidido: era isso e pronto.
Mas acontece que a menina num tinha decidido sozinha; e isso era o que a fazia ficar mais resoluta: o que tinha se encaminhado por ela foram, na verdade, seus sentimentos.
Se eu choro só de ouvir tais e tais coisas - pensou a menina - o que mais vou fazer da minha vida se não isso?
Se esquecia a menina de que no mundo real as coisas num eram bem assim.. que não podia sair por aí simplesmente seguindo tudo o que os seus sentidos mandavam! Ela sabia que essa é que era a vida certa e boa. Mas quem disse que o mundo era assim? Era não. O mundo era de gente grande. Existiam regras, responsabilidades, relatórios do pibic.. Ela gostava tanto de estudar, de ir, um por um, estourando os baloezinhos dentro da sua cabeça, que formavam bolhas que cresciam, cresciam e faziam cosquinhas...Mas daí a ter que fazer um relatorio do pibic! Não. Essa não era Janaína.
Ela estava cada vez mais reticente quanto a seu futuro. O que iria fazer então? Não podia trabalhar de estouradora e enchedora de baloezinhos! e agora?
Agora só lhe restava brindar num bar com uma amiga, essa mesma, a leitora pra quem estou escrevendo, brindar à arte, à liberdade, ao fim das instituições! Brindar escutando música boa, falando coisas legais, dizendo que gostava cada vez mais de gostar das pessoas! E ao passo que dizia isso, sentia o gostar brotar e sair dela. Ela percebia que a amiga sentira..
Eh isso pezinhos na janela! Sinta bem muito pro lados de lá o sentimentos que saem das bandas de cá!!

sábado, julho 28, 2007

Um dia Janaína tava assim sentada, com a mão no queixo e o braço escorado na perna quando pensou e viu tudo diferente. Ela se sentia mais real agora. Tava calada. Descubriu que na verdade era ela uma menina calada; que quando falava e gesticulava desarvoradamente tava tentando era fugir da Janaína séria e pensativa. Ela também descubrira os pontos e me disse pra encher esse texto deles. Vou fazer. Pode ser que a menina tenha assumido uma atitude mais resoluta. Então os pontos caem realmente bem. Isso quer dizer que ela, que antes era reticente, estava cada vez usando mais pontos. E não só o final, a exclamação também! Não é feia não viu seu Carreiro? É bem bonita! E animada! E viva!
Pois então. A menina estava assim: olhando a vida ir seguindo e vendo como é que se vive. Tentava parar de pensar em manuais e ir simplesmente vivendo. Tudo bem que era difícil. Nada acontecia mais como ela planejava. Por que antes, como ela achava que as coisas iam acontecer do jeito que ela pensava, ela acabava agindo do jeito que achava que era inevitável e as coisas acabavam mesmo acontecendo do jeito que ela pensava. Claro. Ela não deixava abertura pra vida acontecer! Quando aparecia o menor indício de que as coisas não iam dar certo a menina já dizia: Tá vendo! E ia embora deixando as coisas pra trás. Mas agora não. Agora ela deixa a vida acontecer pra ver o que é que vai dar. Desculpe Janaína mas agora tenho que voltar a usar as reticências...

sábado, julho 14, 2007

Ela tinha medo de escrever. Não sempre, mas especialmente naquele momento. Medo de que as palavras buscassem coisas tristes que tinham num buraquinho bem fundo; já que agora só serenidade boiava na sua superfície. Não. Não queria que nada disso voltasse. Então, não iria buscar nada lá fundo, mas apenas escrever sobre o agora. O agora era bom. O agora era bem novo pra Janaína. Ela não via mais graça no pirulito de cera, isso era pras crianças, que ainda amava. Janaína pensava cada vez mais em como seria sua vida futura. Pensara se não poderia apenas continuar se balançando na rede, com um pé do lado de fora sacudindinho, cantando Bethania e gritando e gritando. Ela estava na verdade fugindo, porque percebera que falar do futuro também trazia dor. E a rede ia e vinha. E ela pensava se a vida não era assim: um ir e vir; então, pra quê se preocupar com o futuro se a vida não era linear! ia e vinha, ia e vinha alegre a menina, com um sorriso ingênuo nos lábios. Vez por outra sentia um friozinho no pé. Era Juca... ela adorava o jeito que Juca lambia seu pé ou tirava seu pitó sem arrancar um fio de cabelo. Fazia uma cosquinha! As duas coisas na verdade faziam cosquinha. Mas o que a surpreendia mesmo era o fato do cachorro desamarrar tão delicadamente o seu cabelo! Ela olhava pra frente pra árvore e flores de cores bem fortes e achava tudo muito bonito, e comia um pedaço da goiaba, tão boa! e pensava que isso sim era vida!

sexta-feira, junho 22, 2007

"Ela que descobriu o mundo
E sabe vê-lo do ângulo mais bonito
Canta e melhora a vida, descobre sensações diferentes
Sente e vive intensamente
Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda
Escreve diários, pinta lâmpadas, troca pneus
E lava os cabelos com shampoos diferentes
Faz amor e anda de bicicleta dentro de casa
E corre quando quer
Cozinha tudo, costura, já fez boneco de pano
E brinco para a orelha, bolsa de couro, namora e é amiga"

(Só não sabe disso tudo...)

quinta-feira, junho 14, 2007

De chorar, era isso que ela tinha vontade de fazer naquelas horas. Horas em que sabia tudo que devia dizer, que tinha certeza que era aquilo que as pessoas deviam entender, mas não entendiam. Ficava então naquele exerício de calar para que as pessoas entendam sozinhas - um amigo lhe ensinara: Não, não fale tudo, deixe que as pessoas descubram - ela concordara, era isso que devia fazer, esperar. Esperar que a vida brote, e só assim as pessoas descubram certas belezas, belezas puras e fortes em algo aparentemente frágil. Mas para ela, Amaranta era tudo tão claro. Era tudo muito bonito, a beleza simples e pura das pessoas. Há algum tempo Amaranta descubira isso, que as pessoas são muito bonitas e ficava encantada de cada vez se encantar mais com elas.
Uma das coisas que Amaranta gostava mais de fazer era descobrir! Descobrir gente, idéias, coisas de sentir diferente. E ficava assim, brincando mesmo de descobrir. Cada dia escutava uma voz e harmonia nova; quando se cansava, achando que já tinha descoberto tudo em relação aquilo então mudava de brinquedo, ia pras letrinhas, tão cheias de coisas novas, tão abarrotadas de idéias que ela não sabia nem como é que cabiam no papel! só que ela acabou descobrindo que as vozes, ou barulhos, nem sempre eram harmoniosos : foi uma mundo crescendo, seus ouvidos se abrindo e se fechando, com as dores, os ruídos, os sons fininhos que arranhavam lá por dentro... Então tropeçou em outra brincadeira, a das cores e formas e sons e que também tinha letras e idéias e tudo mais que uma pessoa quizesse colocar. Abriu um sorriso largo, os braços, sentia que era tudo tão grande, mais tão grande que não ia conseguir ver e sentir e ouvir e pensar tudo ao mesmo tempo; mas as vezes conseguia, e ficava tão feliz! Só que aquilo não durava muito tempo, o balão estourava e ela caía no chão sempre, no fim e estava lá de novo, os rostos que não lhe agradavam porque escondiam, ou mostravam coisas ruins, mesmo que de pessoas que ela sabia que eram boas. Aí ficava triste, com um embrulho lá dentro, pensando que era tão bom se as pessoas não ficassem tristes. Queria sempre chegar e ver sorrisos, mas descobrira também que não era assim que aqui no chão as coisas aconteciam. Era difícil pras pessoas, inclusive pra ela mesma, diante de tanto escuro, de não conseguir enxergar o que é que vem depois, de ter medo de não ser nada.. Chorava e via que assim o medo ia embora, secava, era bom; depois olhava a cara inchada no espelho e ria, nessas horas via que num era difícil viver não, era só chorar, depois a gente ri e pronto acabou.

sábado, maio 19, 2007

Janaína sentada na parada de ônibus observava, como era de seu costume. Dessa vez, duas crianças, aparentemente irmãs. Uma, tagarela, com jeitos de gente grande dizia - Deus me livre a cada automovel que passava em alta velocidade. A outra, quieta, calada fez logo Janaína se reconhecer. Pensava se seria regra: entre duas irmãs sempre haveria a de língua solta e a observadora! Admirava a pele das crianças. Era aquilo mesmo que diziam: pele lisa, sem deformidades.
Janaína achava engraçado os modos da faladeira (em outra oportunidade seriam motivo suficiente para provocar-lhe irritação; mas hoje não, hoje estava bem apreciadora das coisas da vida, inclusive as irritantes... tanto é que nem se incomodou quando a tal gordinha começou a mexer pra lá e prá cá num ferro provocando um rangido fino), observava sua roupinha pequena, de desenhinhos: um short amarelo com florzinhas bordadas, uma blusa rosa com o desenho de um cachorro, um boné também rosa, com um personagem de história em quadrinhos e as pequenas unhas, da mesma cor, de esmalte descascado.
Janaína pensava que, quando era pequena certamente também se vestira daquela forma. Mas, questionava-se se nessa época reparava ou não nesses detalhes, florzinhas, bordados, desenhos. Talvez não. Então, se as crianças não reparavam naquilo, pra que se desperdiçava atenção a tais banalidades? Cogitou, então, que podia acontecer delas, eventualmente guardarem um desses detalhes na memória.É, podia ser que fosse esse o motivo de sua existência, como era o caso de um broche de palhaço que ela própria tivera. Lembrava-se bem, tinha cabelos de uma espécie de pena vermelha e rosto branco de porcelana. Era isso: o palhaço era o responsável por puxar toda a linha de sua memória. Ou não?

sábado, abril 21, 2007

Janaína

Porque aquelas músicas mexiam tanto com ela? enchiam seus olhos de lágrimas, seus pêlos se arrepiavam; elas entaravam como uma corrente de ar frio que passeia por todo o corpo e davam uma pontada lá dentro. Faziam-na extasiar-se cantando junto, sorrindo, chorando...
Janaína nunca vivera nenhuma daquelas coisas, então por qual razão era tão tomada por tudo aquilo? era como se cantasse por outras pessoas, sentisse por outras pessoas, vivesse um mundo imaginário que parecia tão real.
Ela, menina calada, tinha passado toda sua vida até então desse jeito: vivendo pelos outros, sofrendo, amando pelos outros. Talvez por isso mesmo gostasse tanto das historias fantasiosas, porque nelas poderia viver, de forma perfeita. Janaína gostava das coisas perfeitas. E como não existia perfeição na vida real, preferia viver o mundo dos sonhos e restar calada no real. E quando a vida real cansava de esperar que Janaína entrasse nela, ela, por conta própria tentava invadir Janaína. Nesses momentos Janaína ficava triste, as coisas queriam fugir do seu controle. Os homens imperfeitos se apaixonavam pela imperfeição dela e ela não sabia lhe dar com isso. Então, dizia não e voltava a cantar e chorar e rir do que nunca tinha vivido. Para ela era muito mais tocante.

terça-feira, abril 17, 2007

Janaína

Sempre que Janaína buscava um refúgio lembrava-se daquela casa grande onde vivera momentos tão felizes em tempos passados. Coisas tão boas que lhe marcaram tanto! O doce de leite emboloado, os passeios pela mata, as cadeirinhas brancas de almofadas de coração vermelho, os cinzeiros bronze de joaninha, as rãs no banheiro úmido, aquele cheiro de madeira, o chão frio, a luz vinda das frestras da janela, as bonecas nas pranchas do quarto, de olhos redondos, o caminhar ao som de estalos de finas madeiras que se encontravam no chão, arranhando-se nas plantas espinhosas... lembrava-se bem do tilintar daqueles sinos nos pescoços dos bois, do falar histérico das cabras, do cheiro de extrume do curral, daquela terra alaranjada..
Era incrível como essas lembranças lhe marcavam, serviam de refúgio. Na verdade, uma esperançazinha de reviver todas essas coisas, mesmo tendo a certeza de que elas nunca voltariam.
Estava tudo destruído, carcomido, tomado pelos excrementos dos morcegos, vazio, sem vida.
Essas recordações, há muito tempo distantes, não lhe doíam tanto, apesar de serem bem profundas. Mas as outras, as recentes, tão boas que pareciam sonhos traziam-lhe sentimentos contraditórios. Por vezes ficava feliz, se percebia rindo, em outras, aquilo lhe perturbava, fazia-a perceber o quão tiste é o momento de agora em comparação àquele. Será, então, melhor nunca passar momentos tão bons? viver numa estabilidade tranquila? Ela sabia que não, pois isso era também desconfortante. Ou melhor, era o motivo maior de suas tristezas... Não havia, então, saída alguma. Apenas esperar pra ver o que acontece... "botar o corpo no mundo", como diria certo amigo ao citar a música..

quarta-feira, abril 11, 2007

Que ardência é essa estou num forno sem sentido nem sentimentos, meus dedos escorregam pelas teclas enquanto escuto homenzinhos gritando aqui do meu lado, um barulho de prato la longe e o silêncio minha barriga se movimenta sozinha estou respirando ainda? Porque não uso vírgulas? Pode ser porque elas cortam o pensamento ou porque num sei usá-las mesmo num to pensando nada mas como pode num se pensar nada estou pensando então no que estou escrevendo para tentar me ocupar e sair da existência vazia que dói porque é vazia... mas não não sinta pena de mim porque afinal todos são vazios quando se reconhecem assim.

segunda-feira, março 19, 2007

Janaína

Janaína hoje, especialmente hoje, acordara com um sorriso singelo nos lábios. Não sabia exatamente o porquê; talvez pelo vento frio que tocava sua pele; talvez por ter conseguido eliminar um pouco do peso que as obrigações deixam nas costas; talvez, pela música, que a fazia ter boas lembranças; talvez pela soma disso tudo; ou até por nada disso... Apenas acordara feliz e ponto. Pensava se era assim mesmo que as coisas aconteciam, ao acaso. Será que era assim, dias em que não suportava ouvir o mínimo barulho, e outros em que era tomada por uma síndrome de tropicália, achava tudo divino e maravilhoso?
Mas o fato é que se levantara, vestira seu vestido florido de pano, leve como ela se sentia, balançando-se com o vento que chegava; e ficara lá na janela, sentido um sol ainda morno, aquele que apenas fazia fechar um pouco os olhos, mas esquentava o rosto, dando um gosto de vida. O cheiro de dia chegava pelo café na cozinha, e o som vinha dos barulhos que sua mãe fazia pra prepará-lo. Ela gostava muito de tudo isso, de ter dormido olhando para aquelas telhas, com buraquinhos, que, quando era manhã deixava entrar a luz. Era aquilo que a fazia feliz.
Mas é certo que nem sempre enxergava tudo aquilo. Quando sua redoma de sentir era invadida por cotidianos, obrigações gritadas ao pé do ouvido. Não queria isso, queria acordar e ir se acostumando aos poucos com o mundo real, primeiro com as coisas boas e leves de que gostava; depois, aí sim é que colocaria novamente o peso nas costas... Por isso, acordava calada, não falava nada para que ninguém sentisse a liberdade de falar-lhe; e, se alguém, antes que ela deixasse claro seu pacto de silêncio, começava a perguntar-lhe, perguntar-lhe, ela não via outra saída senão não responder nada. E assim, todos em sua casa já sabiam. Mas, ainda assim, insistiam em falar-lhe. Ela, que sabia bem que quando as pessoas falam com outras, estão à espera de ouvidos apenas,e não de bocas que lhe atrapalhem; unia o útil ao agradável e ficava calada.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Por que será que toda vez que me ponho a ler me vem à mente os sonhos mais bizarros que já tive? É como se minha mente pegasse no tranco e começasse a vasculhar seus lugares mais longínquos. É só começar a leitura e já vêm na cabeça milhões de imagens antigas e novas, sonho e realidade, tudo se mistura. e ao invés de subjetivar o que está ali, objetivo, a minha frente na forma de letras, eu crio outras imagens. Nessas horas não tem como me concentrar, pois sei que com tanta criação na cabeça não vou apreender tudo aquilo que o escritor codificou naquelas frases. É certo que mesmo que minha mente estivesse completamente vazia – algo impraticável – ainda assim eu não conseguiria captar tudo o que o autor pensou ao escrever, até porque ele mesmo quando escreve tem que ser muito preciso, para que as pessoas ao lerem saibam exatamente o que ele quis dizer... mas ainda assim é impossível o transplante exato das informações, porque até eles mesmos não têm noção de algumas conclusões a que se pode chegar na reflexão de seu próprio pensamento...Nessas horas, então, ponho-me a escrever... solto tudo o que outrora preenchera meus pensamentos na tentativa de esvaziar minha mente, e, só assim conseguir, um pouco mais leve, me dedicar à leitura. Pausa. Vou ao encontro de Juca. Ele já me esperava ansiosamente, e se agita de alegria ao me ver. No caminho penso no que as pessoas pensam de mim – me olham e dizem pra eles mesmos: lá vai a menina com o cachorrinho, ela mal sai.. quase nunca é vista assim como está agora, com roupa de casa, chinelo, cabelo desleixado. Ela, se sente bem assim, pois a roupa é uma expressão de como ela se sente por dentro, ali, andando por aquelas ruas, em casa. Finalmente esse sentimento que sempre a dominara, mas que ultimamente se encontrava perdido, voltou. Na ida ao Rio ele tinha se transferido para lá... estranho como um sentimento que aqui levara 22 anos para se construir, lá teve apenas 7 dias. Então estava em casa de novo...

sábado, janeiro 13, 2007

Janaína

Janaína, ali, sentada, lambendo seus dedos incrustados de doce, dá-se conta de que finalmente descobrira o segredo da existência. O segredo era exatamente esse, permanecer ali, lambendo seus dedos incrustados. Depois de desarvorar-se procurando preencher um vazio que não tinha mais fim, que parecia um copo, que quanto mais ela enchia, mais se esvaia; descobrira a felicidade ali, lambendo aqueles dedos. Janaína já chorara ao ler Pessoa, já consumira seus dias em uma colcha de retalhos, mas lá estava seu segredo, guardadinho na geladeira há semanas, a lata de leite moça quase vazia, digo quase, pois a essência mor estava lá, a espera dos dedos de Janaína. Lembro-me que ainda durante sua infância ela mantivera fortíssimas relações com tal objeto, mas claro, ainda sem extrair-lhe o segredo. Sonhara sim com aquela moça de lata na cabeça, que lá, sapateava rodeada de passarinhos azuis e cantantes. A verdade mesmo é que Janaína tentava enganar-se com tais devaneios, pensava que se permanecesse assim, pensando essas bobagens conseguiria encobrir seus pensamentos que haviam lhe afligido durante toda a semana, mas ela sabia bem que enquanto metade de seu pensamento pensava essas coisas, a outra metade pensava bem era naquilo que ela queria esquecer, ou até mesmo se preocupava em esquecer, mantendo assim a lembrança. E lá estava aquele martelinho, tun, tun, tun. Não havia filme que passasse, nem livro que lesse, aquilo parecia ser mais importante, e não ia embora. E ela, já desesperançada de conseguir esquecer, tentava então entender o porquê de não conseguí-lo, talvez assim, quando a cabeça conseguisse convencer o coração, estaria enfim, livre. Não sabia Antônia, que era também Janaína, Janaína Antônia, que essa era a causa de todas as suas perturbações, sempre, qualquer que fosse o seu conflito, ela recaía sem perceber nessa fraqueza, não conseguir racionalizar tudo, assim seria tão mais fácil viver... Ela não dava confiança àquelas coisas que diziam vir do coração, paixão? Não acreditava mesmo. Afinal, tudo era muito simples, só se apaixonaria por quem também chorasse ao ler Pessoa, ou por aqueles que em segredo desempenhavam uma atividade que ela tanto admirava, aquela mesmo, de correr os campos. Mas não adiantava ser uma corridinha rápida, fugindo da chuva, apressado para o trabalho. Não. Antônia queria era que a pessoa sentisse a brisa por entre sua roupa ao correr, quem sabe até desse um gritinho de felicidade e abrisse os braços para sentir o vento. Esse sim, era racionalmente, o cara por que iria se apaixonar. Estava decidido. Enquanto isso, estava muito satisfeita, a comer seu pirulito de cera na porta de casa e a brincar com o afilhado na rua correndo e empurrando o triciclo da criança.

Geruza

Geruza era uma mulher gorda e triste e nada mais. Era assim que ela se via, apenas uma pessoa gorda e triste. Todos os dias, no fim da tarde, ao sair com Juca, sua única companhia, Geruza sentava-se na calçada e fazia tudo o que uma mulher na sua situação - gorda e triste – fazia, ou seja, nada. Ficava lá a olhar a liberdade do cachorro, feliz a correr e se deprimia ainda mais, pois não tinha mais felicidade, se é que ela lá sabia o que era isso... E assim ficava a olhar o céu, invejando a Lua, como é que ela podia ser assim tão bela? Enquanto ela, Geruza não achava nada bonito em si, a não ser aquela espinhazinha que nascera a alguns dias e que Antônio havia dito que era charmosa. Mas estava ela lá assim, pensativa e começou a se dar conta do quanto aquelas ruas eram mortas, aquelas casas, aquelas árvores. Geruza sempre morara ali, naquele mesmo lugar e tudo isso era sempre igual. As pessoas iam, vinham, mas as casas e ruas e árvores permaneciam ali, como cemitérios abandonados. Por vezes, ao passar por uma casa ou outra, Geruza ouvia um barulho de vida naqueles mausoléus, uma fala de criança, uma música, e ficava ali a aproveitar esses momentos. No Natal, período melancólico por natureza, ela nesse estado eterno, vira um árvore através do reflexo do vidro de uma das casas. Só ela sabe o sentimento que tivera, chegava e ia penetrando através daqueles raiozinhos dourados, das luzes vermelhas, aquilo tudo de tanto mau gosto, que fez Geruza se lembrar de um peru estragado de certo Natal. E não pensou duas vezes, ao chegar em casa, pôs o peru da família no forno, e , de propósito, como que por vingança por todos aqueles anos infelizes desde então, deixou ele lá, sofrendo. O pinozinho vermelho que indica a hora de retirá-lo já havia saltado, ele apitava como que a clamar por socorro, e Geruza nada. Apenas olhava-o com olhos fulminantes e um riso sarcástico. Era afinal sua vitória, havia algo sofrendo mais do que ela naquele mundo: o peru.

Antônio

Antônio sempre fora aventureiro, quando criança se encantava em ir à praia e ficar a observar os barcos a flutuar. Era tão bonito como eles se moviam pra lá e pra cá, pareciam despreocupados. Antônio sempre preferira observar o mar a ter que passar horas diante da televisão, como fazia sua família. Ele tinha descoberto como lá era bem melhor, o ângulo de visão era a se perder de vista, e ainda mais ainda tinha cheiro e um ventinho frio, calmo, do qual ele tanto gostava. Antônio quase não falava, a maior parte de seu tempo preenchia a pensar. Pensar em como aqueles astronautas, flutuando no céu, estavam soltos, soltos de verdade, porque aqui na Terra a gente sempre tá pisando no chão, ou preso a algo que nos faça voar; mas lá não, lá eles tavam soltos no espaço, e iam caindo, rolando e caindo. Antônio era assim, ao mesmo tempo que admirava os astronautas por estarem “soltos”, encantava-se com os pescadores pelo fato mesmo de estes estarem de alguma forma ligados à terra como ninguém mais. Era onde moravam, de onde tiravam seu sustento. Antônio chegava mesmo a pensar que eles não precisavam nem falar de tão simples que era sua vida. Esse encantamento de Antônio pelo mar era facilmente explicável pelo fato dele sempre ter morado em uma vila de pescadores. E como todo poeta ou pintor dos quais ouvia falar, também tinha uma afetividade enorme pelo lugar de onde viera. Naquele dia, Antônio, que morava a alguns metros do mar, decidira que iria ficar ali a partir de então, naquela calçada. Foi uma decisão daquelas em que a gente apenas obedece ao pensamento e nada mais. Lá no fundo ele sabe que é impossível morar ali, mas o que fazer se o comando de seu cérebro era este? Mesmo que tentasse se levantar não iria conseguir. Até que de súbito, de um golpe só levantou-se e foi embora pra casa.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Quando me acharem aqui será que eu saberei da minha existência? Talvez eu nunca tenha existido além dessas paredes brancas...
Lembro-me de mamãe na sala de estar através do vidro. Ela sempre perguntou se eu queria granola, mas na verdade o que estava em seu pensamento era a quantidade de moscas no bolo de fubá. Enquanto insistia em que eu comesse, ficava a pensar na existência das moscas. Então era mesmo verdade. Elas viviam apenas por um dia, fato cruel...logo mamãe que adorava apreciar as coisas mais de uma vez para ter certeza de que realmente tinha estabelecido um contato extra corpóreo com elas. Juca sempre questionava suas aflições, queria apenas discutir sobre o porque de tantos porquês, para ele era mais fácil viver sem saber. Pensava sim se era possível viver com uma pessoa sem nunca falar-lhe nada. Mas aí todas as transformações pelas quais cada um passasse ficariam restritas a eles próprios. E no dia em que finalmente resolvessem conversar pensariam que nunca tinham passado desse estagio elementar, pois todos sabem que nos saímos do estagio primitivo, chegamos ao mais supremo possível para finalmente descobrir que o final da linha e voltar a ser simples...juca continuava assim com essas conjecturas de cachorro calmo, manso. Ele confiava sim em sua dona e ela tivera certeza disso nesse mesmo dia em que esses dedos escrevem aqui. Foi quando ela se pôs a pegar o telefone, percebeu que os olhos de juca permaneciam imóveis, sua orelha levantada. Ele apenas estava lá, deitado. Enquanto ela pensando em inúmeras coisas, nunca imaginaria que ele fazia reflexões muito mais aprofundadas que ela sobre a estética dos normandos no século treze. Mas isso não vem ao caso, o que importa é que ele não se moveu e ponto. Estou aqui pensando no porquê das pessoas escreverem se sabem que vão ser alvo de críticos apenas. Destino triste. Não por ser triste em si. Mas porque fere o orgulho de qualquer ouvinte de gil cantando bob.então pensei se devo realmente escrever tudo o que penso ou se escrevo penas aquilo que penso ser de bom tom escrever.será que era isso que virginia fazia? Descobri que eu escrevo apenas para ler depois, tem tarefa mais divertida? Você escreve, escreve, coisas loucas que você pensa no momento e depois lê tudo como se não fosse você que tivesse escrito. Me decidi a alguns segundos por escrever tudo o que penso, mas percebi que isso não e possível , porque penso muito rápido. Lembro vagamente que ...ah...lembrei eu estava pensando que eh muito difícil se escrever quando você vive fazendo livros quando você fala...