segunda-feira, outubro 12, 2009

"Algo que faz sentido, dá o gosto de viver uma vida humana, desperta o desejo de ultrapassar, aponta para a sede de aprender, de compreender, de contemplar".

domingo, setembro 13, 2009

O encanto de Val


Um dia Helena estava lavando os pratos, cantarolando baixinho, quando olhou pela janela viu que no jardim tinha nascido uma florzinha lilás. Ela nunca tinha visto flor igual, era pequena e tinha as pétalas bem delicadas, era só encostar um pouquinho o dedo pra sentir a maciez. Foi nessa hora que Helena soube que estava esperando Val. Ela sempre teve certeza que quando brotasse uma sementinha dentro dela, ela receberia algum sinal. E foi assim.

À medida que Helena sentia a criança crescer dentro dela, ela sentia uma força tão grande de viver! Aquele bebê era a maior força vital que ela já havia sentido. Não havia maneira de ser mais feliz. Não imaginava ela o que sentiria quando Val nascesse, ela tinha até medo desse momento, medo de não poder mais abrigar seu filhotinho de todos os perigos. Nessas horas se sentia mesmo como aquela galinha mãe, que quer os pintinhos debaixo das asas. E mais do que isso, ela não conseguia pensar em como seria viver só, a partir de então, como não abrigar mais o outro ser dentro de si, como tornar-se independente de novo...

Mas, quando Val nasceu, Helena e Pacheco, seu marido, descobriram que a felicidade ainda podia ser maior do que aquilo que sentiram nos nove meses de gestação. Ela se expandia dentro deles cada vez que olhavam praqueles olhinhos puxadinhos e bochechinhas salientes. Cada gritinho que a menina dava fazia essa imensidão de amor crescer mais e mais.

E foi na terra fértil desse amor tão grande que Val foi gerada. E como não podia ser diferente, esse amor também fazia parte do próprio ser da menina. Ela não conseguia viver sem amar, pra ela as duas palavras eram sinônimos. Assim, quando Val estava brincando com suas panelinhas no quintal, cozinhando pra todos os bichinhos que estivessem por perto, ela queria mesmo era fazer todos eles felizes. Ficava toda alegre ao imaginar que a lagarta tinha engordado muitas gramas com a sopa de papoula que ela tinha preparado. E o sapo então? Tava gordinho, gordinho de tanto beber suco de folha amassada! Também achava linda a chuva, se emocionava com os pingos caindo na terra, fazendo as florzinhas crescerem robustas.

Ela sempre queria dar um jeitinho de ajudar a natureza a seguir seu rumo que ela tanto admirava. Assim, quando descobriu que as abelhas produziam o mel do néctar que retiravam das flores, tratou de plantar muitas delas. Todos os dias plantava uma de cor diferente, porque, para ela, as abelhas seriam muito mais felizes produzindo mel de tonalidades diferentes. Outra vez ela até roubou os sapatinhos de sua boneca, e queria porque queria, calçar a centopéia. Imaginava como devia ser tão difícil andar com tantos pés por aí descalça.. e se ela pegasse uma gripe?

Val era bem quietinha e observadora. Ela não sabia, mas guardava em seus cachinhos aquilo que ia recolhendo das pessoas. Um jeito especial de um falar, a risada singular de outro, a maneira de andar e gesticular de outro. Tudo que Val percebia ficava registrado nos seus caracoizinhos. E eles cresciam mais e mais à medida que a menina ia ficando mais velha.

Um dia, Val não sabia por que, ela tinha acordado com uma sensação de vazio, algo lhe faltava. Quando viu tinha uma mechinha de seu cabelo no chão: era o jeito de dançar engraçado de uma senhora gorda que ela vira certa vez. Val ficou muito intrigada sem saber direito o que tinha feito seu cabelo cair. E todos os dias, daí por diante, o fato se repetiu. Aos poucos Val foi perdendo todos os seus cachinhos. E ao passo que os perdia, uma sensação ia tomando conta dela. Ela começou a enxergar ao mundo e a si mesma de uma maneira diferente. Se olhava no espelho e não se reconhecia mais, não sabia quem era aquela. Seu rosto estava mais afilado, seus cabelos mais estirados, o corpo tinha tomado outras formas. Não sabia mais quem era, mas, ao mesmo tempo, sentia que estava renascendo mais verdadeira, mais ela. Agora ia descobrindo sua própria maneira de ser, seus gestos, maneira de rir, de andar e de falar. Seus passos eram mais firmes. Val tinha, enfim, se tornado ela própria, tinha amadurecido.

Mas, ao contrário do que se pensa, isso não quer dizer que ela fosse deixar de ser aquela menina que cuidava com tanto afinco dos animaizinhos e plantas de seu jardim. Agora se dedicava mais ainda. Achava um absurdo tratar os outros seres com desrespeito. Só comeria plantas, e os bichinhos que criava seriam somente seus amigos. Vez por outra, se via ela, no jardim, brigando com um ou outro bicho que contrariasse a liberdade dos demais. Val se preocupava tanto com o bem estar de sua horta que quebrava a cabeça tentando equacionar a cadeia alimentar de forma que a harmonia fosse sempre restabelecida, quando a natureza assim não o fizesse sozinha. É.. os cachinhos tinham ido embora, mas a mania da menina de dar um empurrãozinho no meio ambiente continuava. Já depois de grande, as principais preocupações de Val eram como desviar um corregozinho que atrapalhava a passagem diária das formigas, como fazer com que a água da chuva regasse por igual todas as plantas. Ela tinha até criado um orfanato de insetos, cada dia achava um novo filhote solitário para cuidar. A pena maior que ela tinha era daqueles que viviam pouco naturalmente. Por esses não podia fazer nada, somente os mantras diários que ela recitava por sua morte.

Por ser assim desse jeito, o grande problema que Val tinha era o de saber como se encaixaria num mundo tão diferente dela. Ela olhava ao seu redor e não conseguia entender nada. O fato de que algumas pessoas só se movimentavam no mundo em troca de outra coisa, que não o amor, deixava a menina muito confusa. Não conseguia entender o que acontecia no mundo, porque as pessoas não se preocupavam com as outras nem com a natureza, que lhe era tão cara. Como alguém podia pisar na grama? Arrancar uma flor? Bater num gatinho? Prender um passarinho numa gaiola? Nada disso fazia o mínimo sentido para ela. E cada vez que ouvia uma notícia dessas a menina chorava tanto que enchia os reservatórios de água de que sua hortinha precisava por um mês. (Até na hora de chorar ela conseguia trazer algum benefício aos seres!).

Val passou muito tempo tentando entender o motivo dessas coisas porque para ela não era suficiente cuidar somente do seu jardim. Ela não conseguia viver em paz enquanto soubesse que outros jardins não estariam a salvo. Então, pensou num jeito de propagar suas idéias, de expandir aos quatro ventos o amor que sentia pelas coisas do mundo, mas não conseguiu pensar em nada. Foi quando Val adormeceu que uma mágica se fez. A partir de então, mesmo dormindo, Val subia na colina mais alta das redondezas e emitia os sons mais bonitos que já se tinha ouvido. Também dormindo, os homens começavam a sonhar com coisas muito belas e acordavam com vontade de calçar centopéias, ajudar formigar e abelhas. Até hoje o som de Val ecoa mesmo sem ninguém saber, mesmo sem ela própria saber. É um som que sai direto do coração dela praqueles corações mais endurecidos. E ele tem um encanto que ninguém consegue explicar nem entender, só sentir.

segunda-feira, agosto 17, 2009

Janaína tava andando, com aquele vestidinho de algodão, leve, que deixava o vento tocar seu corpo e ia sentindo o sol quentinho lhe aquecer. Fazia tanto tempo que ela não sentia essa sensação de que o sol existe. Tinha ficado muito tempo em casa, por isso passou esse tempo triste. O sol lhe trazia a sensação de que a alegria existe, e ia preenchendo ela, e fazia ela se mover com mais vontade. O mundo parecia muito bonito nesses dias, o ônibus tava cheio porque todo mundo queria ir pra praia. Era tão bom ir pra praia! Ela lembrava quando era ela que fazia isso com as amigas. Passar o dia lá, tomando sol, sentindo a brisinha, conversando, tomando banho! E era de graça, por isso que era o passatempo predileto de tanta gente. O céu tava bem azulzinho, as nuvens bem desenhadinhas, em floquinhos. Ela começou a sentir a alegria de novo, tinha esquecido que ela existia, naqueles tempos de melancolia chuvosa, de só perceber tristeza nos rostos. Agora ela cantava com força e sorria, e dizia que queria se consumir como uma vela, era essa mesmo a sensação que ela tinha, ela sumia e sobrava luz. Ela voltou a lembrar também de quem ela era, lembrou que gostava muito de literatura, mas ao mesmo tempo sofria com isso, porque ela fazia com que ela só se sentisse feliz ou quando tava lendo ou escrevendo... e não sabia como resolver esse impasse.. Ultimamente também ela tava percebendo mais do que nunca a fluidez do mundo, tudo é aberto e você vai construindo. As pessoas é que estão muito acostumadas em ir pelo caminho mais fácil, de se inserir em caixinhas. Mas ela estava num caminho sem volta, a partir do momento que percebeu a existência das caixinhas não conseguia mais entrar em nenhuma delas. E isso a deixava meio perdida no mundo. Ao mesmo tempo que achava muito bonita a fluidez, a possibilidade de se construir aquilo que a gente quiser, também achava isso muito difícil, e não sabia se conseguiria. Aí pensava que seria muito mais fácil se ela nunca tivesse pensado em nada disso, viveria e pronto, como Alberto, sem pensar no porque das coisas. E ficava nessa dança, de querer entrar nesse mundo novo, cheio de mistério e de perceber como é difícil entrar nele.. Mas pelo menos agora se lembrava da existência da felicidade, isso ajudava um pouco.

quarta-feira, julho 01, 2009

Pedra do Amor


Um dia a gente tava ali sentado conversando e daqui a pouco reparamos numa pedrinha ali perto. Toda vez que a gente se reunia tava a pedrinha lá, no mesmo lugar. No começo a gente achava estranho, nunca tínhamos visto pedra igual. No primeiro dia que a vi tive uma raiva danada, fui passar e tropecei nela. Depois foi Amanari quem tropeçou. A gente não entendia o que ela tava fazendo ali. O único que parecia saber o mistério da pedra era FeiJãozinho. Afinal tinha sido ele quem a tinha colocado ali. Mas, sempre que lhe perguntávamos sobre ela, ele respondia com um sorriso mais enigmático ainda.

O tempo passou e a pedra continuou lá. Mas, agora ela já tinha revelado um de seus segredos: era uma pedra mágica. Era só colocá-la na mão e fechar o punho bem apertadinho, pedir um desejo e pronto: a gente conseguia o doce mais gostoso, ou se teletransportava pra onde a gente quisesse. Aos poucos, a pedrinha ia revelando seus segredos. Descobri depois que ela era, na verdade, uma pedra-concha, se você encostasse o ouvido bem pertinho e se concentrasse, saíam dela os conselhos que você precisasse naquele momento. Saíam na forma de música, uma mistura de trompete, pífano e rabeca. E a pedra também sabia dançar! Acreditem se quiserem, mas, ao escutar qualquer som da mata, ela se lembrava de seus antepassados e dançava os folguedos mais bonitos que já se viu. Ela também tinha mania de organização, onde estivesse, o ambiente estaria com as coisas milimetricamente em seus lugares, isso até irritava um pouco às vezes.

Mas, a principal característica da pedrinha era sua ousadia. Quando descobrimos o percurso que ela tinha feito para chegar ali tomamos um susto. Ela tinha nascido numa floresta enorme, onde tudo era aparentemente perfeito, harmonioso. Ela era um dos pedaços de uma rocha que saía do mar e era gigante, tão grande que chegava a tocar o céu. Um dia veio um vento muito forte e gerou a pedrinha. Só que a partir daí ela teve que aprender a se virar sozinha, distante de sua rocha-mãe. No começo, os irmãos dela a acompanhavam. Mas, logo, a pedrinha sentiu necessidade de se separar. Ela começou a querer encontrar outro lugar, onde se sentisse em casa de verdade. Ela enxergava além dos outros seres da floresta. Percebia que faltava alguma coisa ali, algo que para ela era essencial. Mas não sabia bem o que era, só tinha certeza que seu lugar não era ali.

Foi aí que ela teve uma idéia. No dia de seu aniversário, 29 de junho, quando o sol batesse o primeiro raio na superfície dela, ela teria o direito de fazer, pela primeira vez,para si mesma, os pedidos que sempre realizara pros outros até então. Assim, quando esse dia chegou, desejou com todas as suas forças encontrar outro lugar, onde as pessoas fossem iguais a ela. Não se sabe muito bem o que aconteceu, mas o fato foi que ela não se moveu do lugar. Não aconteceu nadinha, nadinha. Então, a pedrinha ficou muito triste. Mas mesmo assim não desistiu de realizar seu sonho. Sabia que todas as quartas-feiras passava um caminhão na floresta. Ele era bonito que só, todo colorido. A pedra-concha sempre tinha ficado intrigada com aquele carro enorme que sempre ecoava uma música bonita. Aí, ela esperou a quarta-feira chegar com a maior ansiedade do mundo. E ela chegou. Quando escutou o som do caminhão se aproximando lá de longe - pois seu ouvido de concha era bem apurado -, pegou uma carona com um passarinho amigo seu e entrou nele.

Hoje a pedrinha não sabe bem se encontrou o lugar que procurava, e pode ser que ela nunca venha a saber. A única coisa que posso garantir a vocês é que ela consegue fazer muita gente feliz. Não com seus poderes mágicos de levar onde a gente quiser, de fazer aparecer pães sucos e comidas gostosas, mas, com algo que tá lá no fundo dela e que lhe deu seu sobrenome. Não contei até agora, mas o nome dela completo é Pedra do Amor. Seu pai, o vento, tinha lhe dado esse nome porque logo quando ela nasceu, ele percebeu de cara qual era o bichinho que a pedra-concha possuía lá dentro.

segunda-feira, junho 22, 2009

Hoje

"A sensação que me fica é a de uma frase que Rafaz uma vez me disse: “Muita vida pra caber em mim”. Acho que essa frase define o motivo da existência do projeto, do NEIMFA e do MABI. Parece que o que faz a gente querer continuar lá no Coque e tecer junto as nossas vidas é só porque a vida é tanta dentro da gente que ela teima em sair, não consegue ficar presa aqui dentro. E ela quer sair na forma de abraço, de sorriso, de palavras, de músicas".

domingo, maio 24, 2009

Viu uma estrela cadente e fez um pedido:
queria não fazer mais ninguém sofrer.

sexta-feira, maio 22, 2009

Criança escondida

Reflexões: a criança,o brinquedo e a educação
Walter Benjamin

"Já conhece todos os esconderijos da casa e retorna para eles como a um lugar onde se está seguro de encontrar tudo como antes. O coração palpita, ela prende a respiração. Aqui a criança está refugiada no mundo material. Este se lhe torna extraordinariamente nítido, acerca-se dela em silêncio. Somente o enforcado, no momento da execução, se dá conta do que significa cordas e madeira.

Atrás do cortinado, a criança transforma-se, ela mesma em algo branco e que sopra como o vento, converte-se em fantasma. A mesa de jantar, debaixo da qual ela pôs-se de cócoras, deixa-a tranforma-se em ídolo de madeira em um templo onde as pernas talhadas são as quatro colunas. E por detrás de uma porta ela própria é porta, carrega-a consigo como uma pesada máscara e enfeitiçará, como um sacerdote mágico, todas as pessoas que entrarem desprevenidas. Por nenhum preço ela pode ser encontrada.

Quando ela faz caretas, dizem-lhe que basta o relógio bater as horas e a careta ficará para sempre. O que há de verdade nisso tudo, a criança sabe-o em seu esconderijo. Quem a descobrir pode fazê-la petrificar-se como ídolo debaixo da mesa, incrustrá-la para sempre como fantasma na cortina, bani-la pelo resto da vida na pesada porta. Por isso quando é tocada por aquele que a procura, a criança deixa escapar um forte grito o demônio que a transformaria, para que esta não a encontre - na verdade nem espera por esse momento, antecipa-se a ele com um grito de autolibertação. Por isso ela jamais se cansa da luta com o demônio.

A casa é o arsenal das máscaras. Contudo, uma vez por ano encontram-se presentes nos lugares mais secretos, nas órbitas vazias de seus olhos, na severa boca da casa. A mágica experiência torna-se ciência. A criança desencanta, como seu engenheiro, a sombria moradia dos pais e procura ovos de páscoa".

segunda-feira, maio 11, 2009

Sonho.

Uma menina pergunta: “Tia, eu num posso ir pra lá não?” – Se refere à outra rua, de trás. “Não, acho que não pode não, porque acabou de ter uma briga aqui”. Então começo a lembrar da tal briga, que, surpreendentemente não me causou medo, eu apenas olhava de longe. Daí, então aparecem garotos vestidos com hábitos, são de alguma ordem místico-religiosa. Reconheço os rostos, são meninos que estudavam comigo no colégio, Bruno, que parecia o “chefe”, começa desajeitado, a fazer gestos como se estivesse a “benzer” o ambiente, o outro, Artuzinho estava tocando algum instrumento.

Eu vestia uma camisa preta, não lembro bem o que tinha escrito nela, e segurava um mala. Qual não foi o meu medo quando apareceram homens também de preto, com máscaras horríveis no rosto, tentei me esconder pra que eles não percebessem que eu estava vestida com aquela camisa, afinal não sabia o que estava escrito nela.

Estou agora na rede, com Caio, Rafaz e mais um menino. A rede está toda escrita de caneta, não sei bem o quê. Ela também está rasgada. Começo a beijar o menino.

Estou agora numa cobertura de um prédio antigo. De lá se vê muitos prédios e muitas luzes. Tem um telão na frente de parte da paisagem que reproduz imagens parecidas com as que se via na realidade. Uma criança com rosto de pessoa vivida se senta ao meu lado, e não diz nada, mas entendo o que ela me fala. Ela diz que é difícil conseguir enxergar tudo o que se vê quando a paisagem tem tantos elementos. Eu comento que isso é ainda mais difícil, quando se tem, além da paisagem, a televisão. Começamos a ver signos maya no computador e Lilian diz que é melhor olharmos em algum site da universidade, que seria mais sério. No céu aparecem uns discos dourados brilhantes. Estou deitada num chão meio molhado. Aparece uma menina e diz que tinha ido no show da noite anterior, que não tinha entrado, mas tinha encontrado as pessoas, ela é baixinha e veste uma saia jeans. O menino que havia me beijado na rede também diz que apareceu na frente do show, porque pegou o ônibus e o cobrador disse pra ele descer ali, ele pensava que tinha chegado em casa e desceu. Não tinha dinheiro pra entrar e não entrou.

Agora estamos na escada, eu e Pedro Amador, dei a ele um pedaço de bolo de ameixa e um copo de leite. Ele diz que estava mesmo com fome, e que aquilo vai ser bom porque tem sustança. Eu pergunto, então se ele quer que eu pegue umas rosquinhas integrais e ele diz que aceita. “De que?” Ele responde algumas frutas de que não lembro o nome. Ele já está me esperando no carro. Eu desço, lembro que tinha esquecido meu óculos vermelho, tinha pego o preto. Subo para buscar, resolvo trocar de roupa, colocar uma saia mais fresquinha. Esvazio minha bolsa que tem muitos objetos tecnológicos: câmeras, mp3, celular. Lembro de pegar o cd de Novos Baianos que nem sabia que tinha aqui em casa, pergunto a Carol quem comprou, ela disse que tinha sido ela que tinha comprado a Michele, nunca ouvi falar dessa Michele. Desço as escadas e Pedro Amador tá vestido de mulher, a gente ia pra uma festa em que homens se vestiam de mulher e mulher de homem. Encontramos Gabi e Juliane na escada que tiram brincadeiras. Eu não tou vestida de homem, tou com uma blusa roxa e calça jeans que não tenho.

sábado, maio 09, 2009

Coisas de criança.

Tem coisa mais bonita do que você ser sorveteiro? Ela disse uma vez aos amigos, eles riram. Mas era mesmo. Profissão tão poética! Ela lá no balcão, esperando sua vez, a sorveteria lotada e ela rindo sozinha pensando nisso. Um vinha e dizia: “Eu quero um amor-perfeito” O outro: “Eu quero coco com morango”. Tudo bem que essa sorveteria não era a das mais comuns, tinha um bocado de sabor inventado, mas todas tem lá o seu quê serelepe. (Existe palavra mais infantil que serelepe? A pessoa imagina logo um menininho pulando, ou então Rafaz se sacudindo daquele jeito engraçado que ela faz).

Mas voltando, imagine você ser sorveteiro? A pessoa pergunta, você trabalha com quê? Ele: “ eu vendo menta com chocolate”, “amendoim com baunilha”. E as perguntas freqüentes de trabalho: “com casquinha ou sem casquinha?”. Bem diferente de: “Vai pagar no cartão ou à vista?’ Aí fiquei lá só observando aquele cara bem grandão, forte, segurando o sorvetinho, todo enfeitadinho e pensando nisso, ele percebeu e deu um sorriso em troca – eu, desconfiada que sou, penso que ele está retribuindo uma paquera fictícia.

Do mesmo jeito é você ser pipoqueiro, e fazedor de algodão doce então!! O pipoqueiro vende pra criancinhas no parque, pra casais de namorados antes do cinema. E o que é a pipoca? O próprio nome pipoca já é engraçado! Acho que foi uma criança que inventou.E a pipoca em si também, “É um monte de nada”, como já dizia Xuxa! É comida pra fazer graça, pra deixar salzinho na boca. Do mesmo jeito é salgadinho, só serve pra você mastigar, mas no fim num fica nada, só uma melequinha salgada na sua boca. É igual a algodão doce. Só que o algodão doce é mais vistoso, chega dá gosto de olhar de bonito que é, tanto o do pauzinho, que a gente compra em shopping, quanto aqueles mesmo de saquinho que se vende na rua, que minha mãe sempre dizia que não ia comprar porque as pessoas que vendiam sopravam pra encher o saquinho. Nunca entendi direito esse motivo. Algodão doce parece nuvem! E aqueles pirulitos de cera, bem grandões que também vendia na praia? Grudava que só no dente mais a gente adorava. E maçã-do-amor? Sempre me encantou, tão bonita, brilhante que só. Quem será que inventou?

Outro dia tava pensando no sabor “tutti-frutti”, vi a quantidade de tês duplicados e elucubrei: “Essa palavra deve ser italiana, meu deus! Então tutti frutti quer dizer “todas as frutas”. Imagine só, um sabor que consegue reunir todas as frutas do mundo inteirinho? Só pode ser muito mágica mesmo. Mas no fim das contas ela tem gosto é de chiclete. Ou é o chiclete que tem gosto de todas as frutas? Mas no fim das contas num gosto não, ô gostinho enjoado! Lembrei de quando Gabi era pequena, que leu o rótulo do cigarro e começou a tirar eles todinhos da embalagem, aí a mãe dela perguntou o que ela tava fazendo e ela “Tem escrito aqui: contem, vinte cigarros, aí eu fui contar..”

quinta-feira, maio 07, 2009

Janaína hoje, diferentemente dos últimos dias, acordou cedo. Colocou o despertador justamente pra isso. Ela ia ver seu professor falar. Mas algo aconteceu que ela resolveu não ir mais, ela começou a ter pensamentos negativos e pensou que devia parar de tê-los. Então a menina ficou em casa, querendo limpar sua mente. E ficou e ficou, até que começou a relaxar. De tarde, ao falar com seus amigos, resolve que vai vê-los todos, a eles e ao professor. Quando chega começa a surgir nela um misto de sentimentos que ela não consegue explicar, tem vontade de chorar, escreve algumas linhas. Assiste a palestra. Vê muitas pessoas e fica desconcertada, alegre, insegura, segura, tudo ao mesmo tempo. Parece que ela tinha se desacostumado a ver gente. Agora só fazia ficar em casa ou ir pros mesmos lugares e ver as mesmas pessoas. Num sabia mais como era isso de ver um bocado de gente que ela num esperava. Conversa com seu amigo que tá triste, tem tantos amigos tristes!

Vai pra casa e não consegue se aquietar, tudo mexe lá dentro dela. Não sabe ao certo o que foi. Sente calor e frio, calor e frio. Não que ela um dia tenha duvidado da relação entre o físico, o espiritual e o pscológico, mas hoje sentiu bem na pele o fato, acha até que vai ter febre. Será que foi o que o professor disse? Ela sabe sim, que esse foi um dos elementos que a deixaram assim. Ele sempre falava muitas coisas que ela acreditava, e que mexiam muito com ela. E, ao ponto que ele falava ela ia reconhecendo os pontos em comum com o que estava lendo e deveria estar escrevendo, mas não conseguia. Parece que aquilo era tão certo pra ela, tão verdade e ela tinha tanta vontade de escrever tudo aquilo que não conseguia. Só ficava sonhando com o dia em que seu texto estivesse pronto, ia ser lindo!

Dia desses tinha ido na livraria com o amigo. Pegou um livrinho e leu um conto. E se lembrou de como ler é bom. A literatura era mesmo a melhor coisa já tinham inventado! E era por isso mesmo que seu texto a deixava tão ansiosa, por que falava de literatura também. E quando você fala de coisas queridas, você sempre quer o melhor, por isso é tão difícil. Ela lá, sentada, e aquele outro mundo lhe entrando pelos olhos, percorrendo seu corpo todo, chegando até no coração. Era tão bonito isso. E o pensamento fazia cosquinhas de bonitinho que era. E foi assim que Janaína descobriu uma outra escritora, Ligia Fagundes Teles.

domingo, maio 03, 2009

Feijãozinho-planta



João é um amor que incrustou aqui dentrinho dentrinho de mim, que brilha, que faz cosquinhas e que me faz crescer também.Às vezes ele parece grande que só, parece um adulto, mas ele num é não, é criança também. Ele é uma criança louquinha, que faz "Rá" e imita cangaceiro. Mas quando é adulto diz coisas bonitas. Às vezes diz coisas que ninguém entende também, só ele.Ele é bonitinho que só, parece um feijãozinho mágico daqueles que vivem pulando. Um dia encontrei esse feijaõzinho e não quis mais que ele fosse embora não. Ele até já virou uma planta aqui dentro! Em cada galho tem um tipo de flor diferente, todas medicinais.

Tem alguma coisa que num me é estranha nessa história, um menino chamado João, que é uma semente de feijão e que vira uma planta... Parece com aquela historinha, mas nessa o menino vira ele próprio o pé de feijão e cresce é dentro das pessoas. E no que ele cresce, cada uma das flores medicinais tem o poder de curar o problema que a pessoa tiver naquele momento, é um remédio eterno pra qualquer tipo de doença! Tem uma que se chama “flor de abobrinha” que serve praquelas pessoas que são muito tristes, tem outra que o nome é “flor de chocolate”, é pras pessoas amargas, e tem uma também que é “flor de tartaruga”, que é pra acalmar... tem tantas quanta a sua imaginação puder criar. Elas são assim, brotam quando a pessoa inventa!

Mas João-feijãozinho-planta num mora só em mim não, ele mora também dentro de um bocado de gente, uma dessas pessoas é Rafa-rouxinol. Ele acorda todo dia de manhã com vontade de cantar, mas só em francês, que ele é chique. Rafa é um passarinho muito do amoroso, todo dia trás um pouquinho de alpiste pra João comer. Pena que ele num gosta de alpiste, só toma água, vive fazendo jejum. Um dia Rafa-rouxinol teve uma idéia melhor, ia trazer um pedacinho de fita vermelha que ele tinha achado por aí pra ver se João queria amarrar no galho, era um enfeite bonito que só. Só que quando Rafa tava vindo com ela no bico, veio um passarinho enxerido e roubou a fitinha. Rafa, brabo que só ele foi atrás. Ele, que sabia usar muito bem a sua voz quando queria, dessa vez desafinou de propósito. Soltou tanto grito que o passarinho de enxerido passou logo a envergonhado, soltou a fitinha e foi-se embora pra nunca mais voltar! Rafa, orgulhoso, amarrou a fitinha no galho de João e disse: “Eu quero ver alguém tirar!’

Outra que tem João-feijãozinho-planta num vasinho branco lá pertinho do coração é Yvana-pica-pau. Essa daí é tão diferente dele que ninguém sabe como os dois se entendem, só sei que se entendem, e bem que só ainda mais. Yvana aprendeu a não mais bicar as árvores alheias, em respeito a seu amigo planta, enquanto ele, aprendeu com ela a se enraizar bem no chão pra nunca cair, mesmo que venha um vento muito forte! Os dois passaram a se dar tão bem que resolveram construir uma casa pra morar juntos! Yvana andou passeando lá pelas árvores que outro João mora, o João de barro, pra aprender a arte da construção. Toda vez ela aprende um pouquinho e vai lá contar pro amigo. E assim vão indo, a casa já ta quase pronta, vai ser inaugurada daqui a pouco, Rafa ta até organizando uma cantoria com os outros rouxinóis pra o esperado dia.

A casa vai ser num lugar chamado Coque, vai ficar do lado de outra que já tem lá, pra onde João gosta de ir, ela é toda colorida e gosta de cantar muito, tem uma voz bem grossa que ecoa por todo o Coque. Essa casa parece que tem um sol dentro, que espalha o calor e o brilho pelos arredores. Por isso que João quis construir a casa dele lá perto, pra juntar as energias boas.

João-feijãozinho-planta tá no coração de tanta gente que se for contar a história de todas num vai caber nesse texto não. Então, digo só que ele ta verdinho verdinho nos corações alheios, bem florido e com um poder curador que só vendo!

sexta-feira, maio 01, 2009

Coisas que só Belch faz...

As realmente ímpares:

"Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol, quando você entrou em mim como um sol no quintal"

"Oh meu coração lobo mau não aguenta"

"Quero a sessão de cinema das cinco
Pra beijar a menina e levar a saudade
Na camisa toda suja de batom"

"Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente
Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente"

"Foi por medo de avião
Que eu segurei
Pela primeira vez
A tua mão"

"Olha-me, oh, yes! oh, yes!
Brasileiramente linda, oh, yes! oh, yes!"

"a eletricidade desta cidade
me dá vontade de gritar
que apaixonado eu sou."

"Minha normalista linda
Ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar..."

"O que é que eu posso fazer - um simples
cantador das coisas do porão?"

As de gritar:


"Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
Eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não
Eu canto"

"No Corcovado, quem abre os braços sou eu
Copacabana, esta semana, o mar sou eu"

"No apartamento, oitavo andar
Abro a vidraça e grito, grito quando o carro passa
Teu infinito sou eu, sou eu, sou eu, sou eu"

“Amar e mudar as coisas me interessa mais”

As bonitinhas:

"E lágrima nos olhos de ler o Pessoa
e de ver o verde da cana.."

"Olha para o céu: tira o teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu"

Falou e disse:

"E no escritório em que eu trabalho
e fico rico, quanto mais eu multiplico
Diminui o meu amor"

sexta-feira, abril 24, 2009

As janelinhas de Janaína

Fazia alguns dias que Janaína acordava sempre com um vazio lá dentro, não sabia ao certo o que era, tentava de tudo e nada.

Ela começou mesmo a perceber o que vinha ocorrendo quando voltou a escutar Caetano, se teve uma coisa que mexeu com ela, foi quando o escutou dizer: "Eu sentia a alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele". A forma como ele se remeteu ao amigo emocionou a menina, desse jeito que só as palavras conseguem fazer.

Então, ela percebeu o que era: era de falta de poesia que ela vinha sofrendo... Sua amiga, sua Gil, com quem vivia momentos que eram poesias materializadas, não estava aqui.

Então, finalmente a menina se deu conta que precisava ler urgentemente. Utilizou de todos os meios possíveis, recorreu àqueles que costumava ler antes, juntou todos num lugar só, de forma que conseguisse acompanhá-los.

E assim vem fazendo desde então, e tem sido bom pra ela. Entre uma pausa e outra, vai aqui, ali, nas janelas alheias e lê um pouquinho das pessoas. Ela gosta disso.

Uns a fazem rir de engraçados que são, outros, rir da beleza de certas coisas, outros ela gosta pela ousadia das invenções daqueles que praticam a literatura radicalmente - ou seja, criação em último grau de abstração, outros ainda falam pelo sentir, um sentir diferente do que a menina tá acostumada, e que ela gosta justamente por causa disso.

Com um dos donos dessas janelinhas, a menina inclusive fez um trato “Eu te leio, e tu me lê”, então não podia descumprir, afinal trato é trato! Assim, tinha um motivo a mais pra escrever a sua própria janelinha.

Se sentia até um pouco pressionada por um deles, que falava mal de quem demorava a atualizar sua janelinha!

Mas ela só resolvia mesmo escrever quando tava comendo pão com bem muito queijo (percebendo como queijo é gostoso!!), com os olhos parados, daquele jeito que se olha e não se olha ao mesmo tempo para algum lugar, e pensava: “É, até que eu podia parar e escrever que queijo é tão bom”, aí ia lá e escrevia.

Mas ela tava falando mesmo era da poesia, pois é, mas quando ela fala a palavra poesia, ela quer dizer não só aquele tipo de texto, como também aquela substância fluídica que está presente em algumas coisas – se bem que agora ela pensa: tá presente nas coisas, ou são as pessoas, que a partir da relação que estabelecem com elas, criam essa poesia? E conclui, está sim presente nas coisas, mas pra percebê-las tem que se entrar na sua sintonia.

Era assim que funcionava, se algo tinha uma freqüência “b” e você estivesse na “a”, nada feito, nada de poesia. E pensava agora, será que existem pessoas que tem, definitivamente uma freqüência “b”, e que nunca sentiriam nada que estivesse na “a”? E desistiu de pensar isso, porque tava muito chato esse pensamento, parecia até matemática! Abraão – meu querido e eterno professor da matéria - que me perdoe, mas é chatinho brincar com as letras desse jeito! Prefiro juntar “a” com “b” e com outras letras mais e formar “abraço”, bem melhor! Letras, que juntas despertam uma sensação boa de conforto, de carinho!

Falar de Abraão agora, lembrou-a de sua ida ao Aplicação – sua antiga Hogwarts – foi lá, passou pelos corredores, olhou os professores pelos vidrinhos das portas, estavam lá daquele mesmo jeito, Marcos, cara de desavergonhado, Marta, séria, sisuda. Olhava praquelas crianças, lembrando que um dia tinha sido uma daquelas. Lá, parecia que tinha entrado numa outra atmosfera, esqueceu de tudo que tinha pra fazer, e ficou ali, rindo e olhando o passado.

Janaína não chegou a ficar triste com a visita, com aquele sentimento de saudosismo que às vezes se tem em situações como essa. E ela sabia bem o porquê: já tinha uma nova Hogwarts. E nesse mesmo dia foi lá. A fazia tão bem aquele lugar, lá era poesia respirante – roubando essa expressão de algum lugar que li.

Lembrou, então, de quando ele fez uma cara séria, engrossou a voz, e falou de quando ele não estivesse mais lá. Não tinha forma mais perturbadora do que terminar desta forma. E fomos embora, levando aquele dizer lá dentro, pesado.

domingo, abril 19, 2009

Um balanço

Estive por esses dias olhando meus textos antigos deste mesmo blog e me dei conta de como eles são realmente antigos, já têm dois anos!! E me surpreendi também por perceber como eu mudei meu jeito de escrever (pode ser até que só eu ache que houve uma mudança, que rafael e gustavo continuem a achar piegas, déia, val e altiere ainda gostem, ou pode até ser que mesmo tendo realmente mudado eles todos continuem achando a mesma coisa, ou não - eita parenteses grande da pinóia!).

Foi uma sensação meio estranha, parar e pensar como você era, eu era tão triste e melancólica! Cheguei a duvidar que aquela fosse eu mesma, mas aí lembrei de como escrevia cada um daqueles textos, lembro bem de cada um deles, cada situação.

E gostei muito de alguns deles, então fiquei pensando em como a tristeza e a melancolia são boas ferramentas pra se escrever! A inspiração sempre vinha, quando eu estava nesses momentos, na praia, sozinha, olhando os pescadores e me sentindo vazia, andando pelas ruas desertas de domingo, puxando pela memória coisas que eram boas e que você não tinha mais...

O amor não compartilhado é bem importante pra esses momentos, percebi isso quando me dei conta que quando não estava namorando escrevia bem mais - quer dizer, eu ainda escrevia - e agora que acabei, foi tiro e queda, voltei a escrever, voltei a passar horas no msn etc etc etc. Mas ainda não cheguei na fase melancólica, por isso que esse texto não tá saindo bom!

Será que eu ainda vou voltar a ser daquele jeito, penso agora, será que ainda vou ter inspiração? Porque fico achando que hoje tou bem mais bem resolvida do que naquela época, faço coisas que me preenchem, que me dão energia e vontade de fazê-las pelo resto da minha vida.

Aí tava conversando com um amigo ontem - isso foi uma coisa que eu percebi nos textos antigos também, eu sempre me refiro a amigos e nunca digo quem são - enfim, falava pra ele que os escritores e os artistas em geral num pode sem muito bem resolvidos não, a arte precisa de sofrimento, de paixão, de emoção. Principalmente eu, que num gosto muito de textos que são mais racionais, objetivos..

Ao mesmo tempo comecei a pensar que os textos que escrevi ultimamente têm sido em dedicação de algum amigo (mentira, todos são pra amigas), falo do carinho que sinto por elas, com exceção do último, que fala de algo que vivi, só que essas situações que me dão vontade de contar estão cada vez mais raras – acho que vou começar a freqüentar mercados públicos, andar mais de táxi, ir pra botecos esculhambados, pra ver se encontro com as figuras que Samarone encontra.. Porque se for escrever texto só pras amigas, chega uma hora que elas acabam e aí? Por sinal tou devendo texto pra algumas ainda, mas vão sair, tenho fé!

E fico nessa dualidade, que é uma constante na minha vida ultimamente, estar bem resolvida é bom e tal, mas perco um pouco do meu contato com a literatura; ao mesmo tempo sofrer é ruim, mas me deixa tão viva! Tava pensando nisso em relação à paixão mesmo, isso antes de ver Romance – que por sinal me identifiquei muito – que pra se apaixonar é preciso sofrer! Sim, porque se apaixonar é criar uma pessoa que não existe, criar uma imagem e querer ter ela pra você, só que você sofre porque essa imagem num corresponde à realidade. Aí Rafaz diz: Help, acho que tu é que ta criando uma representação errada da paixão. Será? Eu penso que não.

Num tem saída, se apaixonar é criar, do mesmo jeito que só se cria se apaixonando! Mas também não acho que tenha nada de errado em criar, afinal, a partir do momento que você criou algo aquilo se tornou real, mesmo que só pra você. Só que as pessoas têm mania de achar que o criado é inferior aquilo que consideram o “real”. Pra mim criar é bem real! E o real pode num ser tão determinante quanto parece. (Isso já ta parecendo meu TCC, que por sinal num tou escrevendo pra escrever aqui...)

Me lembrei de uma frase em que pensei hoje enquanto lavava os pratos: “Os artistas ao fazer arte nada mais fazem do que brincar, igualzinho às crianças”. Pensei isso quando estava questionando o papel da arte e cheguei à conclusão, meio a contragosto, que ela não precisa mesmo ter papel.. Porque se eu defendo que as brincadeiras das crianças num devem ter outro motivo senão brincar, como vou querer que os artistas não façam o mesmo?

Enfim, não conclui o texto porque não cheguei mesmo a uma conclusão, literatura +paixão + sofrer ou tranqüilidade – literatura – paixão? Ó céus!! ihihhi

domingo, abril 05, 2009

Na praia.

Acordei lembrando do sonho que tive com duas meninas bem pequenininhas, lá do Coque, uma negrinha espevitada, dos olhos redondos e cabelo cacheadinho com xuquinha; e a outra galeguinha, de um sorriso lindo e bochechinhas salientes.

Elas ficavam subindo nas minhas costas, do mesmo jeito que fazem lá na biblioteca. É só você chegar lá e elas correm pra você te abraçando e dizendo “tia, tia”. Toda vez que me lembro da biblioteca elas duas são a primeira imagem que me vem, elas parecem ter muito carinho pra dar, passam o dia inteiro abraçadas em você se puderem.

Lembro um dia que a galeguinha olhou pra mim e disse: “Tia, se você num me der bombom num vou gostar de você mais não”, quem disse que isso aconteceu? Num dei o bombom (porque não tava na hora do lanche ainda) e ela continuou a me tratar do mesmo jeito nas outras vezes que fui à biblioteca!

É muito bonito perceber como ela tem crescido e aprendido coisas ali, acho que em grande parte com as outras crianças, parece uma criança grande! Esperta que só! Mas bem criança também, na hora de brincar de “estátua”, no olhar encantado pra uma simples cartolina voando! Num pode tocar uma batuque que ela ta lá se sacudindo. Linda, linda, a buchudinha!

Já a negrinha é uma menininha cheia de personalidade. É muito engraçado de ver, como ela tão novinha, tem tanta personalidade! Ela é meio despirocadinha. Lá na biblioteca, quando eu pedia pra os meninos fazerem alguma coisa complicada pra idade deles, eles ficavam pedindo pra eu fazer, dizendo que não sabiam. Mas ela não, ela fazia mesmo assim, mesmo sem saber! Admiro muito essa ousadia que ela parece ter pras coisas.

Então, tudo isso pra dizer que sonhei com as duas. Acordo, olho o sol e me dá uma vontade tão grande de ir pra praia! O dia tava com cara de praia. Ligo pras meninas e elas topam. Cheguei antes de todas, tô andando pelo calçadão de Boa Viagem e vejo, sentado no calçadão, um menino conhecido, ele me olhava também me reconhecendo, quando vi era um dos meninos da biblioteca! Fiquei alegre de vê-lo ali, me aproximei passei a mão na cabeça dele, dei um sorriso e ele “É a tia da biblioteca, olha!” –pra o irmãozinho menor dele.

O maiorzinho, esperto e um menino muito bom, que gosta de desenhar; o outro, lindo, olhinhos mel, redondinhos. Só me lembro dele com um macacãozinho azul que ele tava uma vez lá no Coque, parecia o macacão das “crianças perdidas” de Peter Pan.

Tavam os dois e uma menina galega, da qual eu não conseguia ver o rosto, já que ela tava toda torta, deitada, dormindo, com uma caixa de chiclete nas mãos. Os outros dois não pareciam preocupados em vender nada. Comiam biscoito e contavam umas moedas dizendo: “Eu quero dois moranguinhos e dois cafezinhos”. Aí o menor, dizia “Dá pra quê essas moedas?” O outro, mesmo pequeninho sabia fazer os cálculos, pensava um pouquinho e respondia: “Dois cafezinhos, dois moranguinhos e um big big”.

Na hora perguntei, sem entender nada do que eles tavam falando e espantada: “Vocês gostam de cafe?" Aí eles responderam que tavam falando de bombons!O maior, parecendo um adulto que cuidava do irmão, foi lá e comprou os confeitos e voltou com a mãozinha cheia, dando pro pequeno.

Nessa mesma hora, um homem, que estava sentado num quiosque, e vinha observando perguntou: “Você conhece eles?” Eu sorri como resposta e balancei a cabeça fazendo que sim, meio desconfiada, se ele tava me paquerando ou não. Então, ele comprou um salgado e uma coca pra cada um dos meninos. O maior, disse pro outro: “Ela deve tá com fome”, foi lá e cutucou a irmã, quase enfiando o salgado na boca dela. Foi uma coisa linda de se ver, o irmão, tão pequeninho cuidando da irmã maior. Ela, meio zonza, parecia fraca mesmo, percebeu a situação e foi até o homem, silenciosa, mas daquele jeito que se percebe que ela está pedindo. Parece até um jeito que se aprende com o tempo, que os meninos menores ainda não tinham. Então, ela conseguiu o lanche e foi lá comer junto com os outros.

Os meninos comiam, comiam, já estavam de bucho cheio, aquelas barriguinhas pequenininhas num pareciam caber uma lata inteira de coca-cola! O maior começou a brincar com o refrigerante , e a dizer que o mar é feito de guaraná!!!Só que o guaraná tava salgado, por isso que ele num bebia. Disse também que queria que a areia da praia fosse de guaraná, que se fosse ele ia lamber tudinho! Ele e o outro começaram a viajar na maionese, dizendo que num sei o quê tinha uma cabeça preta, e que na imaginação dele era uma cabeça de banana! Depois, as meninas chegaram e fomos para a areia, nos despedimos dos meninos e eles ficaram lá, esperando a mãe que tava vendendo amendoim.

Quando chegamos na areia quem estava lá?As duas meninas com quem sonhei!!!! Fui lá e dei um abraço bem bom nelas, e um beijo! As duas estavam com coisa na mão pra vender, e perguntavam se a gente queria comprar.

Senti algo tão ruim! Era uma situação tão diferente da que a gente tava acostumado a viver com elas! Na biblioteca, elas só dizem “tia” e abraçam. Ali, elas também fizeram isso, mas logo depois perguntavam se a gente tinha “dez”, se a gente queria comprar...

A galeguinha, apesar de também pedir, parecia mais livre disso, pedia num segundo e em outro estava sorrindo, parecendo ter esquecido mesmo do que pedira, parecia uma frase vazia que ela aprendeu a repetir “Me dá dez,” esticando a mãozinha encurvada.

Já, a negrinha parecia bem diferente ali, naquele ambiente, como se já tivesse introjetado a lógica adulta da responsabilidade. Corria pra lá e pra cá oferecendo seus chicletes, toda sujinha de areia. As pessoas achavam mais graça, do que queriam comprar.

Fiquei tão pensativa nesse dia, tanta coisa aconteceu assim, de repente. Um dia normal de praia tinha se transformado num encontro assim, que balança a gente, que faz pensar na vida, que deixa triste e feliz ao mesmo tempo. Triste pela situação de ver crianças tão pequenas vendendo, pedindo. E feliz pela inocência que criança tem, que é bonito de ver, pela imaginação solta, pela presença forte de vida que criança representa!

terça-feira, março 31, 2009

Elas.


Elas sentadas no laguinho, na árvore delas, descobrindo Pessoa, correndo atrás das pessoas e recitando, chupando picolé de coco e de amendoim, gritando “não à coca-cola”, riscando na camisa “Abaixo essa sociedade capitalista e dominadora”, trocando bilhetinhos poéticos nas aulas chatas, querendo fundar uma comunidade alternativa, entrando juntas no banheiro e se fingindo de lésbicas, chorando juntas a dor e a poesia do mundo.

Elas na rede gritando músicas, loucas, dançando macumba no quintal, relembrando velhos pagodes, se vestindo de Doces Bárbaros, ligando uma pra outra dizendo uma poesia ou colocando uma música e desligando, passando uma hora ou mais no telefone, conversando até a madrugada, ela botando a rede nas costas e imitando o amigo de classe, a outra choramingando suas paixões efêmeras, ela contando as histórias nos mínimos detalhes e emocionando a outra.

Elas brigando sem fim, dizendo puta que pariu no telefone, ficando de saco cheio uma da outra, discutindo relação na frente de todo mundo. Elas cada uma em uma cabine do banheiro do planetário fazendo as pazes, cada uma em um país conversando pela internet. Elas se chamando de nerd, de xuxu, falando a linguagem do coração, dando abraço forte que só. Elas dormindo com uma roncando e a outra miando pra ela parar de roncar. Uma alta e a outra baixa, uma calma e a outra forte, uma morena escura e a outra “morena clara”, uma dos cabelos cacheados e a outra lisos, uma dos olhos pequenos, a outra grandes. Uma falando de como tudo é espiritual e a outra só escutando ressabiada, uma cantando Los Hermanos e a outra de saco cheio, uma marxista e a outra anarquista. Uma severa e a outra de coração mole. Uma Virginia Woolf, a outra Clarice Lispector, uma yoga, a outra muay thai, uma carnaval, a outra cinema.