sexta-feira, maio 22, 2009

Criança escondida

Reflexões: a criança,o brinquedo e a educação
Walter Benjamin

"Já conhece todos os esconderijos da casa e retorna para eles como a um lugar onde se está seguro de encontrar tudo como antes. O coração palpita, ela prende a respiração. Aqui a criança está refugiada no mundo material. Este se lhe torna extraordinariamente nítido, acerca-se dela em silêncio. Somente o enforcado, no momento da execução, se dá conta do que significa cordas e madeira.

Atrás do cortinado, a criança transforma-se, ela mesma em algo branco e que sopra como o vento, converte-se em fantasma. A mesa de jantar, debaixo da qual ela pôs-se de cócoras, deixa-a tranforma-se em ídolo de madeira em um templo onde as pernas talhadas são as quatro colunas. E por detrás de uma porta ela própria é porta, carrega-a consigo como uma pesada máscara e enfeitiçará, como um sacerdote mágico, todas as pessoas que entrarem desprevenidas. Por nenhum preço ela pode ser encontrada.

Quando ela faz caretas, dizem-lhe que basta o relógio bater as horas e a careta ficará para sempre. O que há de verdade nisso tudo, a criança sabe-o em seu esconderijo. Quem a descobrir pode fazê-la petrificar-se como ídolo debaixo da mesa, incrustrá-la para sempre como fantasma na cortina, bani-la pelo resto da vida na pesada porta. Por isso quando é tocada por aquele que a procura, a criança deixa escapar um forte grito o demônio que a transformaria, para que esta não a encontre - na verdade nem espera por esse momento, antecipa-se a ele com um grito de autolibertação. Por isso ela jamais se cansa da luta com o demônio.

A casa é o arsenal das máscaras. Contudo, uma vez por ano encontram-se presentes nos lugares mais secretos, nas órbitas vazias de seus olhos, na severa boca da casa. A mágica experiência torna-se ciência. A criança desencanta, como seu engenheiro, a sombria moradia dos pais e procura ovos de páscoa".

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