quarta-feira, maio 23, 2012

A menina cabocla




Num dia lindo de outono, Maria das Graças acordou e descobriu que estava grávida. Como ela sabia? Ela começou a sentir algo muito profundo dentro dela, não sabia o que era direito, só que era algo muito forte, que penetrava lá dentro, assim como faz o som dos violinos. Ela se levantou de súbito da cama, sacodiu Artur, que dormia ao seu lado: "Artur, Artur, acorda, Roberta nasceu aqui dentro de mim". Fazia um tempo que o casal queria ter mais uma menina pra embelezar a casa. Foi dito e feito. Quando Roberta nasceu,em fevereiro, todo mundo quis ver o bebê na maternidade. Era de espantar o sorriso luminoso que a menina tinha. Ela era morena, dos olhos fortes, iguaizinhos aos da avó cabocla dela. Roberta tinha uma coisa diferente, mas ninguém sabia explicar direito o que era.

A menina foi crescendo.. O passeio que ela mais gostava de fazer era ir pro Sertão, parece que aquela terra laranja era da mesma matéria de sua pele, seca e forte. E assim mesmo era Roberta. Chorar? Chorava nada. Podiam fazer o que quisessem com ela, ela ficava lá, braba toda, incólume. Ela aprendeu com as terras de sua vó, que sustentavam aquele cacto todo o tempo, quando dava uma chuvinha pequenininha, era tudo ficando verde. Foi naquela terra rachada que Roberta aprendeu a viver, economizava o choro, igual que nem o Sertão economizava água. Sua vó até tentava lhe explicar, "Mas, Roberta, Deus num tá economizando não minha filha, o problema é que os vaqueiros num tão cantando direito, eles tem que cantar sete vezes em cima lá da serra "Ôoooe", pra avisar a Deus que ele pode mandar derrubar o aguaçeiro". Roberta fingia que acreditava, mas ela sabia que na verdade o Sertão era igual a ela, num chorava porque era forte!

Mas num era só essa a característica da menina não, o que fazia de Roberta uma menina diferente, e que fez Dona Graça sentir desde que a menininha era semente dentro dela, era na verdade a mistura dessa força com uma bondade muito grande. Desde pequena Roberta num podia ver ninguém precisando de ajuda no meio da rua, sempre dava um jeito de fazer alguma coisa. Um vez tava na praia e viu um menininho negrinho todo triste. Aí Roberta chegou perto e perguntou o que ele tinha. O menino tinha pego o único dinheirinho que tinha e tinha comprado picolé pra vender na praia, mas foi jogar futebol e esqueceu de vender.. resultado, o picolé virou suco.. O que foi que ela fez? "Oxe, mas eu adoro suco de picolé, é meu preferido! Foi lá e comprou tudinho, e ainda bebeu, era morango, misturado com chocolate, com coco, pense num suco bom!". Mas o que Roberta quase morria se visse era bichinho abandonado. Pense que ela ficava triste! O sonho dela era ter uma casa gigante, cheia de bichinho que ela pegasse na rua.

Quando Roberta cresceu, num tinha ninguém mais estudiosa que ela no colégio, "eita menina danada", organizada, então! Ela só num gostava de namorado: "Esses trê lê lê prá cá e pra lá né comigo não!. Eu só vou é casar quando encontrar um homem que preste!". E assim foi.. Um belo dia tava Roberta sentada na frente da biblioteca, lendo pras crianças que tinham por lá, aí aparece um moço, bonito que só Harry Potter, ela olhou assim por detrás daqueles óculos.. Ele olhou assim pros olhos de cabocla dela.. Foi paixão na certa. No outro dia já tavam marcando o casamento. Levaram o cachorro, meia duzia de gato e foram simbora. Felizes estavam , felizes ficaram. Todo dia a família aumentava, era um bichinho que Marcelo trazia pra casa. Dia desses ele trouxe uma família inteira de gato. Tinha visto primeiro o filhinho, ficou com pena do coitado, era orfão. Mas daqui a pouco chega a mãe, tava com a patinha machucada, bichinha. E o pai então!? Tava magrinho, magrinho. Ele já tava pronto pra ir embora, quando vê aparece o resto dos filhotinhos, ele num ia deixar sete orfãos, num é? Aí pronto, teve que levar todos. Foi assim que Marcelo explicou a Roberta quando chegou em casa.

Quando Roberta cresceu e ficou bem grande, ela começou a ficar triste porque a mãe dela, aquela mesma que tinha dado a vida a ela, tinha virado estrela. "Mas Roberta - diz sua vó cabloca - ser estrela é a maior sorte que a pessoa pode ter. Você sabia que a luz que as estrelas tem, servem pra iluminar a gente tudinho aqui na terra? Mas num é iluminar só de luz não, minha filha, é de energia também. Sua mãe quis ser estrela pra ajudar muita gente. Você num fique triste não, que a estrela também tá brilhando em você. Dentro do seu coração minha filha, tem uma estrela tão forte, que você num sabe, mas a gente, da linhagem das cabloca tem essa missão, viu? A gente nasceu foi pra trazer luz pro povo daqui. Então chore, chore tudo que você num chorou nesse tempo todinho,e deixe as terra do nosso sertão bem verdinha, que é pra florir bem muito. Mas depois, minha filha, você tem que voltar com aquele sorriso luminoso que só você tem. Sua mãe tá bem, num se preocupe não. Vá cuidar dos seus bichinhos, vá". Aí Roberta ficou melhor, chorou, chorou, regou as plantas tudinho, e toda noite ela olha pro céu pra matar a saudade da mãe-estrela.

Miaaaau, miaaaaau (diz a família dos gatinhos )

Ôooooe, Ôooooe (fazem os vaqueiros no Sertão)

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