sábado, janeiro 13, 2007

Janaína

Janaína, ali, sentada, lambendo seus dedos incrustados de doce, dá-se conta de que finalmente descobrira o segredo da existência. O segredo era exatamente esse, permanecer ali, lambendo seus dedos incrustados. Depois de desarvorar-se procurando preencher um vazio que não tinha mais fim, que parecia um copo, que quanto mais ela enchia, mais se esvaia; descobrira a felicidade ali, lambendo aqueles dedos. Janaína já chorara ao ler Pessoa, já consumira seus dias em uma colcha de retalhos, mas lá estava seu segredo, guardadinho na geladeira há semanas, a lata de leite moça quase vazia, digo quase, pois a essência mor estava lá, a espera dos dedos de Janaína. Lembro-me que ainda durante sua infância ela mantivera fortíssimas relações com tal objeto, mas claro, ainda sem extrair-lhe o segredo. Sonhara sim com aquela moça de lata na cabeça, que lá, sapateava rodeada de passarinhos azuis e cantantes. A verdade mesmo é que Janaína tentava enganar-se com tais devaneios, pensava que se permanecesse assim, pensando essas bobagens conseguiria encobrir seus pensamentos que haviam lhe afligido durante toda a semana, mas ela sabia bem que enquanto metade de seu pensamento pensava essas coisas, a outra metade pensava bem era naquilo que ela queria esquecer, ou até mesmo se preocupava em esquecer, mantendo assim a lembrança. E lá estava aquele martelinho, tun, tun, tun. Não havia filme que passasse, nem livro que lesse, aquilo parecia ser mais importante, e não ia embora. E ela, já desesperançada de conseguir esquecer, tentava então entender o porquê de não conseguí-lo, talvez assim, quando a cabeça conseguisse convencer o coração, estaria enfim, livre. Não sabia Antônia, que era também Janaína, Janaína Antônia, que essa era a causa de todas as suas perturbações, sempre, qualquer que fosse o seu conflito, ela recaía sem perceber nessa fraqueza, não conseguir racionalizar tudo, assim seria tão mais fácil viver... Ela não dava confiança àquelas coisas que diziam vir do coração, paixão? Não acreditava mesmo. Afinal, tudo era muito simples, só se apaixonaria por quem também chorasse ao ler Pessoa, ou por aqueles que em segredo desempenhavam uma atividade que ela tanto admirava, aquela mesmo, de correr os campos. Mas não adiantava ser uma corridinha rápida, fugindo da chuva, apressado para o trabalho. Não. Antônia queria era que a pessoa sentisse a brisa por entre sua roupa ao correr, quem sabe até desse um gritinho de felicidade e abrisse os braços para sentir o vento. Esse sim, era racionalmente, o cara por que iria se apaixonar. Estava decidido. Enquanto isso, estava muito satisfeita, a comer seu pirulito de cera na porta de casa e a brincar com o afilhado na rua correndo e empurrando o triciclo da criança.

3 comentários:

Desassossegos de um verão disse...

Menina, lança um livro, visse! bjao!

Desassossegos de um verão disse...

Menina, lança um livro, visse! bjao!

Unknown disse...

parabens esse é um dos melhores. vou nomear meu primeiro carro de janaina