quarta-feira, setembro 10, 2008

Pó de Amanari


Quando Amanari nasceu ela era bochechudinha e risonha. Áurea, a boleira só faltou morrer de tanta felicidade. Seu primeiro filho era uma menina branquinha, de cabelinho preto preto. O pai, Roberto da granja disse logo ao saber que era uma menina: “Essa aí vai ser freira!”.

E Amanari foi crescendo, crescendo até que começou a falar. Áurea não podia passar mais vexame que agora. A menina tinha nascido com a língua solta. Ninguém a segurava de falar a verdade. Chegava uma pessoa e dizia: “Ô Áurea, tá bonito meu vestido novo”? A menina nem esperava a mãe responder. Ia logo dizendo: “A senhora ficou gorda com ele”. Que era verdade era, mas a verdade dói de vez em quando. Um dia fez até o pai perder freguês: “Ô moço, a galinha na venda da esquina tá mais barata” - Desde pequena a menina tinha convivido com a criação de galinhas do pai. Cedinho escutava o galo cantar.

A menina achava muito natural ser como era, afinal nunca tinha sido de outro jeito! Só que quando entrou na escola tomou um susto: ela começou a perceber que as pessoas enganavam umas as outras. Foi uma grande decepção para Amanari a nova descoberta. Conheceu a mentira. Ela ainda não conseguia entender direito como era que isso funcionava. Não conseguia ela mesma mentir. Não sentia na pele o que era isso.

Mas a nova descoberta não tardou a acontecer. Um dia saiu da sala e deixou seu pirulito enorme, todo colorido, que seu Roberto tinha dado a ela. Quando voltou cadê? O canto mais limpo. Ficou chateada, mas depois esqueceu do que tinha acontecido. Mais tarde, quando abriu a bolsa da colega para pegar uma borracha emprestada, tomou um susto! O pirulito estava lá, metade comido! Ainda pensou: “Desgraçada, se fosse pra comer que tivesse comido inteiro, só assim eu num tinha raiva!”. Depois desse dia Amanari percebeu que já não era tão criança, tinha agora sentido a mentira de perto.

A verdade da menina esta atrelada a um outro sentimento, o senso ético. Ela era sempre coerente. Não existia nada que fizesse que alguém pudesse dizer que ela estava contrariando aquilo que ela mesma entendia como justo. Teve até um briga com a mãe um dia por causa disso.

Era seu aniversário e a tia tinha lhe dado um tecido. Ela olhou bem pra aquilo e disse: “A senhora pode ficar com ele. Eu não quero não”. Pra a menina aquilo era muito normal. Se ela não ia usar o tecido não era melhor que ficasse com a tia que iria usá-lo? Ficariam felizes as duas. Mas a mãe e principalmente a tia, achou aquilo uma desfeita! Então dona Áurea foi lá e disse: “ Minha filha, tem certas situações que a gente precisa mentir um pouquinho”. E ela achou aquilo muito feio. Se ela tinha lhe ensinado a não mentir não mentiria nunca!

O divertimento da menina era ir ao jardim cheirar as flores. Mas não as arrancava para sentir melhor o cheiro como muitos fazem e nem deixava que ninguém fizesse isso! Achava muito injusto arrancar as pobrezinhas. Se cada um que chegasse arrancasse uma, outras pessoas iam ficar privadas de sentir o cheiro e a história que cada uma delas guardava. Era verdade. Quando Amanari começava a sentir o cheiro de uma flor, uma historinha ia crescendo na sua cabeça e ia florescendo, florescendo. E ela tinha que contar pra alguém, se não as historinhas num paravam nunca de crescer. Então, quando chegava no colégio, contava pra todos os coleguinhas.

A verdade de Amanari não estava só nas palavras, estava nas ações também. Um dia ela inventou um beijo novo. Chegou para Abraão, seu professor de matemática (que era daqueles professores que é turrão e legal, chato e bonzinho ao mesmo tempo) e não pensou duas vezes, tascou-lhe um na bochecha. Não queria saber se o professor se sentia envergonhado ou não com a situação. Ela não se sentia. Não conseguia se segurar, viu o professor e a vontade foi crescendo tanto que teve que dar o beijo. Outro dia foi com o professor Tarcísio. Ela o viu andando meio triste e chegou dizendo: “Bonita camisa professor”. Arrancou-lhe um sorriso.

Agia de acordo com o que sentia. Não escondia nada de ninguém. Uns ficavam com raiva, diziam que ela era chata porque não conseguia esconder quando não estava bem. Outros percebiam a importância da menina. Em inúmeras situações ela era a única que conseguia falar a verdade.

Hoje em dia, quando as mães fazem seus bebês botam um pouquinho de Pó de Amanari nas receitas pra as crianças ficarem mais verdadeiras.

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