quarta-feira, setembro 10, 2008

Mamãe Coragem

Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo
eu fui embora

E lá se ia a menina magra, de cabelos curtos lisos e pretos, andando pela terra seca, indo buscar seu futuro na cidade. Ela, que nascera ali, onde vivera momentos tristes, outros nem tanto, agora ia pra nunca mais voltar.
Hoje se lembra do que viveu, marcas que permanecem na memória e nos traços de sua face.
Recorda um tanto risonha a história de seu primeiro namorado. Tinha sido um vendedor de picolé! Certo dia, quando ouviu uma de suas irmãs mais velhas dizer que tinha arranjado um namorado não quis ficar para trás, foi lá e namorou o vendedor. Tinha sido namoro besta, de pegar na mão e conversar. No outro do dia não quis nem ver o menino.
E foi sempre assim com essa mesma irmã. Ela lembra de feliz que ficou no dia em que seu pai lhe comprou uma sombrinha de um mascate. Ela tinha uma bonequinha na ponta! A da sua irmã não, era listrada apenas. O pai disse a sua irmã: Você já é uma moça. A da boneca é pra Hercília. Nesse dia o riso não conseguia sair do rosto da menina.
Esse é um dos poucos momentos que ela lembra ao lado do pai. Ele era um homem sério, austero. Não se dava muito a brincadeiras. Andava sempre de camisa e calça de linho. Impecável. Mantinha uma certa distancia dos filhos. Nem chegava a almoçar com eles. Escutava sempre o rádio. Certa vez, Hercília o surpreendeu chorando ao escutar uma notícia. Ele apenas franziu a testa e a lagrima escorreu.
Outro dia que ela não esquece foi uma das poucas vezes que o pai lhe falou: - Você sabe que tem o nome igual ao seu? A mulher do presidente. Era a esposa de Médici.
O velho Pereira era político. Influente na cidade. Tinha um motor de energia que iluminava as casas. Tinha sido ele que havia construído o único poço de Jabitacá. Quando alguém, por motivo político, ou não - não se sabe - fechou o poço, o velho quebrantou. Teve um infarto.
Em sua casa funcionava uma farmácia, uma mercearia e uma padaria. Hercília lembra daquelas vitrinas com coisas bonitas que dava gosto. Enxovais de linhos bordados, brincos, perfumes franceses. Na padaria havia quatro prateleiras. Uma do pão francês, outra do doce, outra da bolacha salgada outra da doce. A menina lembra a fartura que tinha na casa, sempre cheia de gente e de comida. Ainda hoje sente o cheiro das bolachas assando no forno. Mas banho que é bom, só tinha uma vez por semana, que era Sertão.
Pereira começou a trabalhar com 12 anos, quando seu pai morreu. Começou como agricultor, depois foi pedreiro, e acabou assim; dono do seu próprio comércio. Sua esposa, Gisa, era professora. Ensinava ali mesmo na casa, inclusive aos próprios filhos.
Hercília tinha 14 anos quando o pai morreu. Depois disso, tudo ali, na cidadezinha de Jabitacá, Sertão do Pajeú, se acabou. Acabou-se a mercearia, a farmácia, a padaria. Depois da morte do marido, Gisa ainda tentou manter as coisas, fez sociedade com o genro. Mas não teve jeito. O tempo passou e o dinheiro que a mãe ganhava ensinando não dava mais pra seu sustento e o da filha. Foi quando ela, já moça, foi embora.

Mamãe, mamãe não chore
Eu nunca mais vou voltar por aí
Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo...
Mamãe, mamãe não chore
Pegue uns panos pra lavar, leia um romance
Veja as contas do mercado, pague as prestações
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos
Seja feliz, seja feliz

Um comentário:

Jakelline Miranda disse...

Perfeito!!! Consegue passar emoção no que escreve!!! Parabens!! AMEI!